Mar Asmo
Mar Telo
Mar Celo
Mar Mita
Mar Mota
Mar Sapo
Mar Fim
Mar Ibela e Seu Rola-Rola
E tenho o mar
E tenho o mar. Não sei o que seria da minha quarentena, que já vai em
quase três anos, se não tivesse o mar todos os dias. Seguramente
estaria ainda mais avariado da cabeça e do resto. O mar, gosto de o
ouvir, gosto de lhe sentir o silêncio, gosto de o ver, gosto de o
cheirar, mesmo que cheire mal, gosto de o pensar, gosto de o adivinhar.
Gosto do mar com sol, com chuva, com nevoeiro, com vento, sem vento,
gosto do mar com todos como o bacalhau. Gosto do mar azul, às vezes
verde e sobretudo azul e branco. Gosto do mar manso, gosto do mar bravo.
Gosto do mar salgado e ainda que fosse insosso. Gosto do mar. E tenho
sorte, na minha rua passa o mar. Tenho o mar se for à varanda, de caras.
Escuto-o no quarto de dormir, e sossega-me a alma, ajuda-me ao sono
cada vez mais difícil. Continuo a passear-lhe as bordas todas todas as
manhãzinhas, cada vez mais cedo, cada vez mais cedo, porque preciso do
resto do dia para tomar conta e porque o povo é burro, como se diz em
Fafe, e cuida que esta merda já passou, e não passou nada, está cada vez pior, tal como eu avisei.
Os oceanos são cinco: Atlântico, Pacífico, Índico, Glacial Árctico e Glacial Antárctico ou Austral. E têm um restaurante aqui ao virar da esquina e com garagem "Reservada a clientes" ao lado da minha porta. O restaurante chama-se muito apropriadamente Restaurante 5 Oceanos. Que se segue: hoje é Dia Nacional do Mar.
Velho pescador aposentado, navegava em terra remendando redes e enxotando gaivotas.
No prédio onde eu moro, o meu apartamento é o único que não tem marquise ou paramarquise na varanda. Dá nas vistas, é verdade, destoa, incomoda os vizinhos, aliás condóminos, e todos os dias tenho a caixa de correio assediada por uns quantos panfletos em quadricromia e papel couché que me oferecem o sufoco a xis euros o metro quadrado. Muito agradecido, mas passo: a varanda é-me de toda a conveniência tal qual está. E não a tapo, pelo menos enquanto a falta de ar for apenas opcional.
Gosto de correntes de ar, que hei-de fazer? Gosto de terra e gosto de mar. E gosto de levar com a terra e com o mar nas ventas. Gosto dos cheiros. Gosto de pensar (ou de pensar que penso), gosto de refrescar ideias. A minha varanda é o meu retiro. E é o meu quintal, a minha esplanada, o meu posto de vigia. Gosto de semear, de regar os vasos, de espreitar o nanocrescimento dos coentros, da salsa e do tomilho, e até tenho um loureiro e um carvalho, gostava de fumar a minha cachimbada e de beber o meu CRF "em balão previamente aquecido", que já não fumo e bissextamente bebo, gosto de ver passar navios. Condenaram-me a isso, a ver navios, mas eu gosto. Sou um gajo cheio de sorte: moro mesmo em frente ao mar, se me puser de lado.
Entro no metro. Viagem curta, de Matosinhos Sul até à Senhora da Hora, apenas quinze minutos e mudança de linha para Vila do Conde. Sento-me num daqueles bancos frente com frente, éramos quatro, dois de cada lado e, se fosse futebol, a bola seria redonda. Ninguém conhecia ninguém. Os dois rapazes e a rapariga, os três mais para os trinta do que para os vinte, cabeças para baixo e graves, rapam dos bolsos os respectivos telemóveis como se se conhecessem de outras encarnações e estivessem combinados, e jogam, ela, e mensajam, eles, automaticamente, ignorantes uns dos outros, numa simbiose perfeita. Eu vou à mochila e tiro o livro. "Kafka à Beira-Mar", de Haruki Murakami. Pensei: é o que diz a minha mãe - sempre a destoar, eu.
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