sábado, 10 de outubro de 2020

Cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas

Redacção: As orelhas
As orelhas. As orelhas são muito úteis. As orelhas servem para segurar o lápis, o cigarro e o raminho de alfádega, que já ninguém sabe o que é. As orelhas centram muito bem a cabeça e estão no sítio certo para se puxar as orelhas. Hoje em dia é proibido puxar as orelhas nas escolas, só se for aos professores. Os puxões de orelhas aos professores são gravados no telemóvel e mandados, com uma grande risota, para o YouTube. Das escolas saem cada vez mais orelhudos. E entram no YouTube.
As orelhas produzem cera, cotão e pêlos, materiais altamente combustíveis. As orelhas ardem: se for a direita, é porque estão a dizer bem de nós; se for a esquerda, é porque nos estão a rogar na pele. Se arderem as duas ao mesmo tempo, o melhor é chamar os bombeiros. As orelhas também deitam fumo sem fogo, pelo menos nos desenhos animados.
As orelhas doem e quando doem chamam-se ouvidos e muitos nomes feios. As orelhas são vizinhas de porta do esternocleidomastóideo, que é o músculo mais famoso do mundo, à pala do Vasquinho da Anatomia. As orelhas, em casos extremos, servem também para a nossa alimentação. Em tempos de crise como os que vivemos recomenda-se com molho-verde.
Às vezes as orelhas dão jeito para ouvir. Ouvir é bom e deve-se às orelhas. Há governantes que não são governantes, porque não ouvem. Por exemplo: as orelhas dos alegados presidentes dos Estados Unidos da América e do Brasil são orelhas a fingir, orelhas de mercador. As orelhas do deputado Ventura, outro por exemplo, são orelhas de burro. Eu gosto muito de orelhas e tenho duas. De momento.

Eufemisticamente falando
Sendo o cego invisual e o surdo insonoro, serão o manco impodal e o maneta imanual?
 
Um ouvido que só visto!
A minha sogra tem um ouvido que só visto e papa os programas todos da RTP1 desde a "Sónia e o Jorge" até ao "Gordo" ou "Senhor Fernando Mendes", consoante a disposição, passando pelo "Malato", pela "Tânia", pelo "Dr. Ramos", pela "Dina", pelo Calcitrin e pela frigideira mágica. Só se levanta da televisão para almoçar, e continua a ver. Nos intervalos às vezes há notícias e a minha sogra gosta de me pôr ao corrente. Diz-me, ainda ontem: - Lá estão eles, Hernâni, agora não sabem outra coisa, é Socras pra cima e Socras pra baixo, não deixam o homem em paz, está bem que se calhar ele não governou satisfatório, mas também já é demais...
Eu conto-lhe a verdade. Explico-lhe que é uma "notícia" em directo de Vila Verde e que estão a falar dos lenços de namorados derivado ao Dia dos Ditos que se realiza dentro em breve. Ela olha para mim com desprezo - sabe muito bem que lhe estou a "mentir"...
O aparelho de TV fala da Catalunha e de Carles Puigdemont, que parece (parece) ter desistido do seu independentismo - isto foi hoje -, e a minha sogra queixa-se-me: - Está a ver, Hernâni, você não se acredita no que eu lhe digo, olhe eles a malharem outra vez no Socras, coitado do pobre de cristo...
Há bocado chamou-me de repente, na abertura do Jornal da Tarde: - Olhe tantos que foram apanhados sem carta...
Eu olhei e era a "notícia" do juiz Rangel, do Benfica e do presidente do Benfica. De vigarices, portanto. Ia dizer "Ó Joaquininha..." mas não disse, nem abri a boca. Terem sido apanhados sem carta também é uma boa história...

Diz-me uma vez a minha sogra: - Ó Hernâni, veja o que quer esta carta da Caixa.
Eu vi e expliquei: - Isto não é da Caixa, Joaquininha, é um reclame daqueles aparelhos para ouvir, quer experimentar?
- Falta pagar? Eu tenho tudo em dia... - respondeu-me a minha sogra. E eu insisti, com o volume no máximo:
- Aqueles aparelhos para meter no ouvido, para ouvir melhor!...
- Para que é que preciso disso, parece tolo, eu ouço muito bem... - resolveu a minha sogra, e contra isso nada.

A minha mãe ouviu um too
Liguei esta manhã à minha mãe, para receber a indispensável bênção semanal, e a minha mãe disse-me que em Fafe estava um frio de rachar, daquele frio que parece que "já passou por muita neve", portanto fora de prazo, e que por volta das seis, sete horas ouviu um too. A minha mãe ficou muito admirada por ser só um. Ainda admitiu, a rir-se com os botões, que fosse uma bomba, mas não, o que ouviu foi mesmo um too, tinha a certeza.
É este falar antigo, escorreito, musical, tão galego nosso, que me apaixona tanto, e suspeito e lamento que sejam já poucos os que o guardam em Fafe. Atenção: a minha mãe falou bem. A minha mãe fala sempre bem. Toar é sinónimo de trovejar e portanto um trovão é um too. Lê-se e diz-se tôo e não tu, à estrangeira. A minha mãe ouviu um too e deram-me umas saudades desgraçadas. Porque é tão bom ouvir...
 
P.S. - Agora a sério (à séria, se inesperadamente lido em Lisboa): hoje, 10 de Outubro, é Dia Mundial do Audiologista. No Brasil, que desde 1990 é, não para mim, a matriz da língua que era nossa, dizem que é Dia Mundial do Fonoaudiólogo, e eu estimo-lhes as melhoras, aos brasileiros de nascença e aos portugueses correlativos. Saravá!

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