Seu Lula estirou-se no marquesão. Nisto ouviu passos de cavalo rondando a casa-grande. Acertou bem o ouvido e na calçada do alpendre batiam cascos de cavalos. De repente lhe veio à cabeça a ideia de um rapto. Sem dúvida que o promotor haveria combinado o furto de Neném. Estremeceu com aquela ideia, e quando deu por si já estava com o velho clavinote. Foi ao quarto da filha e esta ainda estava vestida, de vela acesa, lendo um livro de orações. A sua cara devia ser de uma fúria desesperada, porque Neném se levantou com medo. Não lhe disse nada, mas chamou Amélia que se recolhera.
- Amélia, hein, Amélia, daqui ela não sai.
A mulher alarmada procurou falar e não pôde. Seu Lula de arma nas mãos andava de um lado para outro, como se estivesse acossado, pronto para um ataque de vida ou morte.
- Mato estes cachorros, hein, Amélia, tudo estava preparado.
Na porta da sala de visita parou para escutar numa posição de caçador que espreita. Ouviram-se muito bem as passadas de um cavalo.
- O miserável pensa que estou dormindo. Mas este desgraçado vai ver quem sou, hein?
As negras tremiam. D. Amélia correra para o oratório, e Neném chorava alto, enquanto D. Olívia no quarto chamava pela escrava que a criara.
- Ó Doroteia, ó Doroteia, vem me catar, Doroteia.
"Fogo Morto", José Lins do Rego
(José Lins do Rego nasceu no dia 3 de Junho de 1901. Morreu em 1957.)
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