segunda-feira, 11 de julho de 2016

Orígenes Lessa 4

O homem nas mãos

Sim, realmente eu matei. Era a prova de amor, a suprema prova que exigira de mim. Eu dera-lhe um carro. Não gostara. Dera-lhe um apartamento. Apenas o aceitou. Dei-lhe um iate. Não se convenceu. Já me atirara a seus pés, muitas vezes, sem êxito algum. E antes de me ajoelhar e antes do automóvel, do apartamento e do iate, já lançara mão de todos os recursos ao alcance de um apaixonado em pleno delírio. Nada a comovera. Só acreditaria, só aceitaria um grande, um infinito, um amor sobre-humano. Assim julgava eu o meu amor. Ela não se convencia, porém. E eu sofria e escrevia poemas e chorava ao luar. Era a inatingível. Ofereci-lhe a minha vida. Recusou. Jurei que me mataria em seguida, se ela cedesse. Ela sorriu. "Pede-me o impossível", dizia eu. E ela sorria. Para os grandes amores não existe o impossível. Estava, toda inteira, nessa minha proposta, a prova definitiva de inexistência do amor em meu coração. E eu continuava me multiplicando em humildade e entregas desvairadas.
Um dia, olhei para a minha vida. Estava arruinado. Nada mais tinha de meu. Se ela quisesse um automóvel novo, um iate mais recente, um apartamento maior, já não os poderia dar. Meu desespero foi, então, sem nome. Perdera a última esperança. Mas conservava ainda a capacidade de argumentar, estranho poder de raciocinar friamente. Atirei-me de novo a seus pés. Se não era o dinheiro, se não eram tributos materiais de amor o que esperava, mas a prova apenas de um grande amor, a prova ali estava, na minha miséria. Que exigia agora? Que podia esperar?
- Enriqueça de novo.
[...]

"Balbino, Homem do Mar", Orígenes Lessa

(Orígenes Lessa nasceu no dia 12 de Julho de 1903. Morreu em 1986.)

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