Uma vez não são vezes: debrucemo-nos, então, sobre a problemática do redenho. O redenho que - há que admiti-lo sem tibiezas - não é ingrediente indispensável na confecção de uns rojões honestos e com outros matadores, mas no entanto, se marcar presença, confere ao prato um não sei quê que por acaso sei e que tem a ver com o seu aspecto inusitado, com o sabor rústico mas colaborante (dando-se-lhe as voltas certas) e sobretudo com o crocante da textura.
Que se segue, precisei de fazer uma rojoada para uma gente que andava aí com desejos e fui ao talho. Escolhi a carne, da febra e da barriga, o sangue e as tripas enfarinhadas. Quando pedi o fígado de porco, que na verdade até era para ajeitar uma entrada de iscas de cebolada, o talhante, sem que eu dissesse mais nada, avisa-me "Olhe que não temos redenho". E depois, olhando para um lado e para o outro, chegando-se à frente do balcão à procura do meu ouvido e da minha cumplicidade para revelar-me o quarto segredo de Fátima, diz-me, num sussurro: "Quer-se dizer, haver há, mas é congelado". E, congelado, realmente "Não é a mesma coisa", concordámos eu e ele em coro, como se estivéssemos ensaiados.
Repito: o redenho não é indispensável. Mas a gentileza e a honestidade sim. Sobretudo nestes tempos de desrespeito pelos valores e de aviltamento das pessoas, tempos portugueses de antagonismos sociais, de pobreza imposta e de azedume generalizado. Soube do redenho e senti a Terra tremer debaixo dos meus pés. Algo mexeu com o equilíbrio estabelecido do Globo. Continuo a acreditar que anda meio mundo a enganar o outro meio, mas naquele momento, à frente dos meus olhos, um homem passou para o lado bom, que eu bem vi.
As coisas não são tão simples assim, é o que estão a pensar? São, são.
Já me abriste o apetite para o almoço. O redenho é sempre uma coisa indispensável! Quanto mais não seja no "Filipe", congelado ou não, entre umas canecas. Por falar nisso, estamos em falta...
ResponderEliminarGrande abraço,
P.
O que é realmente indispensável, caro P., é remediarmos o mais rapidamente possível essa falha nossa.
ResponderEliminarObrigado pela visita e pelo comentário.
Abraço.
"redenho, rojões" e croissants, acrescento eu.
ResponderEliminarPois é Hernâni, numa confeitaria que gosto e que tu conheces também aconteceu-me o mesmo que a ti, ou seja, encontrei, ou antes, reencontrei uma jovem tão honesta quanto o teu talhante. Assim que lhe pedi o croissant do costume a jovem chegou o seu rosto ao meu e, ao mesmo tempo que as batidas do meu coração aumentavam segredou-me ao ouvido, temos ali, mas para si não dá, não são nossos, porque estamos em obras lá dentro.
Posto isto, já somos dois, a conhecer pessoas honestas.
Gaspar de Jesus
Tenho hoje a certeza absoluta de quem, com essa tua pureza toda, tinhas dado um padre exemplar.
ResponderEliminarM.A.
Caro Gaspar: e a ti, ainda por cima, saiu-me uma jovem. És um gajo cheio de sorte.
ResponderEliminarObrigado pela visita e pelo comentário.
Caro M.A.,
ResponderEliminarSabes muito bem que não são permitidos padres exemplares. (Só existem dois ou três, que por acaso eu tive/tenho a sorte de conhecer, mas são segredo).
Obrigado pela visita e pelo comentário.