sexta-feira, 11 de abril de 2025

A vida era uma fotonovela


Recuemos. À década de oitenta do século passado e ao cimo da mui portuense Rua de 31 de Janeiro, onde havia uma casa de jogos de máquinas de flippers e afins que tinha uma cave com um altifalante fanhoso que, de uns quantos em quantos minutos, gritava cá para fora a curiosa frase "Mudança de modelo". Lá em baixo parece que havia umas raparigas muito jeitosas e nuas a fazerem não sei o quê e umas cabinas individuais e sebentas com ranhura para a clientela meter a moeda como nas velhas jukeboxes de feira e espreitar por um vidro e fazer também não sei o quê. Sei muito pouco do assunto porque, palavra de honra, nunca lá pus os pés. Ou se calhar pus, lembro-me vagamente da situação, não juraria em tribunal, mas isso também não vem ao caso.

Informei-me. "Mudança de modelo", logo a seguir ao ding-dong de uma campainha de aeroporto, queria dizer, por exemplo, que a morena mamuda passava a pasta à loura pernalta e ia para os bastidores ler a Corín Tellado, e assim sucessivamente e vice-versa, mas decerto queria dizer também que os clientes tinham de fechar a braguilha e limpar as mãos o mais rapidamente possível e dar a vez a outros, que eram mais que as mães, sobretudo no intervalo de almoço. O speaker de serviço dizia "Mudaaaança de modeloooo" com um garbo só comparável ao do mestre-de-cerimónias do Circo Merito quando anunciava na Feira Velha de Fafe a sensacional "Maribelaaaa no seu rrrrrola-rolaaaa". Eu gostava: "Mudaaaança de modeloooo"! Parava em frente para ouvir, uma e outra vez, até à hora de voltar ao trabalho. E ria-me. Quase quarenta anos depois, leio e ouço a moderna lengalenga da "mudança de paradigma". "Mudança de paradigma" acima, "mudança de paradigma" abaixo. "Mudança de paradigma" para aqui, "mudança de paradigma" para ali. E também me faz rir, confesso, mas não me arrebita. Falta-lhe sustância, ao paradigma...

Já agora, sobre Corín Tellado, espanhola que se chamava Maria del Socorro Tellado Lopez e morreu no dia 11 de Abril de 2009, aos 82 anos. Escritora, autora mais lida na língua de Cervantes logo atrás do próprio, publicou mais de quatro mil romances cor-de-rosa ao longo de uma carreira de quase 56 anos, vendendo acima de 400 milhões de exemplares, o que lhe valeu a entrada no Guiness em 1994. Em Portugal, e pelo menos em Fafe, antes do 25 de Abril, a senhora Corín Tellado ficou famosa pela melosíssima revista de fotonovelas a que emprestava o nome. As revistas eram disputadas, partilhadas, emprestadas, trocadas, rompiam-se de mão em mão, iam de casa em casa como a Sagrada Família mas com outros interesses. A televisão era a RTP e o mais parecido com uma telenovela era o TV Rural do engenheiro Sousa Veloso, "despeço-me com amizade até ao próximo programa". Na rádio, o "Simplesmente Maria", folhetim radiofónico, chegou à Renascença apenas em Março de 1973, e o país desfez-se em lágrimas, como se houvera inundações. Já disse: era assim em Portugal e pelo menos em Fafe. A parte de Fafe do rés-do-chão, da esfregona e da costura. A parte de Fafe de que sou. Era triste mas era isto: a vida era uma fotonovela.
E depois chegou a Gina.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Um gajo para o escrete

Tomai nota, que esta é de graça. No dia 24 de Novembro de 2012, escrevi aqui no Tarrenego!, sob o título "O escrete precisa de um treinador português":

"O treinador Mano Menezes foi despedido da selecção brasileira. O substituto deverá ser anunciado no início de Janeiro e entre os principais candidatos ao lugar parece que estão Muricy Ramalho (técnico do Santos), Tite (do Corinthians) e Luiz Felipe Scolari (sem clube, depois de ter mandado o Palmeiras para a segunda divisão).
Mas do que é que o Brasil está à espera para contratar um treinador português? Não percebo a hesitação. Os brasileiros são os melhores jogadores do mundo? Também os portugueses são os melhores treinadores do mundo, como Jorge Jesus ainda ontem voltou a dizer.
É certo que, quando assim fala, o míster do Benfica é para o espelho que olha, e nem é bem ele a falar, é apenas o umbigo, are you talking to me?, you talking to me? Mas o umbigo de Jesus não deixa de ter razão. E o Brasil só ganhava se se deixasse descobrir de novo."

Vistes? Exactamente, Novembro de 2012, ó santa clarividência! Sete anos depois, em Junho de 2019, Jorge Jesus foi contratado pelo Flamengo e teve o sucesso que se sabe. Foi Jorge Jesus, Abel Ferreira e agora são uns atrás dos outros, qualquer dia não há treinadores portugueses a treinar em Portugal, foram todos para o Brasil.
E finalmente, Abril de 2025, outra vez sem seleccionador, após o despedimento de Dorival Júnior, o Brasil pensa num treinador português para os comandos do escrete. Fala-se em Jesus, fala-se em Abel e até se fala em Mourinho. Eu avisei - e foi há treze anos.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Cuidado com as carteiras!

Os carteiristas. Perdoem-me que volte ao assunto, mas a verdade é que não saímos disto, de eleições, umas atrás das outras, como se Portugal não tivesse mais nada que fazer. Os carteiristas, portanto. Para quem não saiba, passo a informar e é de graça: os carteiristas são presença habitual, diria até obrigatória, nas campanhas eleitorais. Fazem parte. Sim, os carteiristas! Sorrateiros como uma corrente de ar, rápidos como um piscar de olhos, trabalham aos pares, às vezes em trio, organizados, distribuindo tarefas, exponenciando sinergias, intercomunicando-se via telemóvel, tomando conta das costas uns dos outros, de bandeira ao ombro e autocolante na lapela, fazendo-se passar por militantes ou simpatizantes, acompanhando as caravanas em todas as paragens e aproveitando-se das arruadas mais frequentadas ou comícios de maior aperto para então, como quem não quer a coisa, dar livre curso à insustentável arte do gesto leve. E a campanha arrancou no Bolhão. Sim senhor, os carteiristas! Começaram os "debates", e eles andam por aí. Como se já não bastassem os políticos propriamente ditos...

P.S. - Notícias frescas. Números. A PSP deteve 149 carteiristas no ano passado, o que representa um aumento de 43 por cento em relação a 2023. Sobre o número de crimes de furto por carteiristas, a Polícia registou 5.762 ocorrências em 2024, uma média de cerca de 16 crimes por dia, mais 11 por cento do que no ano anterior. Nas próximas eleições para a Assembleia da República vão ser eleitos 230 deputados.

A munha e o munho

Os colchões eram cheios com palha ou folhelho. E as almofadas enchiam-se com munha. Isso mesmo, munha, restos de palha moída depois de malhado ou debulhado o cereal, a que dicionários e vocabulários mais delicados talvez queiram chamar apenas moinha. Mas era munha que se dizia, pelo menos entre o povo rural naquela corda serrana de Fafe e Cabeceiras de Basto, e dizia-se muito bem. Isso. Dizia-se munha, em vez de moinha. E, tomai nota, dizia-se "munho", em vez de moinho. E essa é que essa!

(Publicado originalmente no meu blogue Mistérios de Fafe)

domingo, 6 de abril de 2025

Mistérios de Fafe, a desvendar


Como já aqui anunciei, desde o início do ano que tenho em funcionamento um novo blogue - Mistérios de Fafe, título que pedi emprestado à obra de Camilo Castelo Branco, quando se assinala o bicentenário do nascimento do escritor. É lá que estou a compilar, rever e "passar a limpo", com importantes acrescentos, versões optimizadas dos meus textos sobre Fafe, sobre vidas, pessoas, usos, falares e acontecimentos do meu tempo de Fafe e após, isto é, sobre o modo como o recordo ou quero recordar. Histórias e memórias pessoais, juvenis e profissionais, velhas amizades, cromos e admirações, cenas gagas ou desgraçadas, peripécias, é o que conto. Exclusivamente.
Se Fafe lhe interessa, se é habitual leitor do Tarrenego!, ou parou aqui por acaso, se gosta do que leu, então dê também uma saltada a Mistérios de Fafe, porque, estou em crer, poderá gostar ainda mais. Os títulos, alguns, parecerão os mesmos, mas os conteúdos apresentam-se substancialmente melhorados, pelo menos é o que eu pretendo. E os originais também já começam a sair.

(Mistérios de Fafe pode ser visto e lido em - https://misteriosdefafe.blogspot.com/)

O bebé que era sedentário

Estacionaram o carro junto à praia. A mulher saiu, morena e roliça, num refrescante vestido branco comprido à mãe-de-santo. O homem foi ao banco de trás buscar o filho e pousou-o no chão. O miúdo não gostou. Era ainda um bebezinho dos primeiros passos que quase não se tinha em pé. Se calhar por isso, sentou-se no empedrado, abriu as goelas e chorou o seu protesto. A mãe procurou por quem passava, era eu, e ralhou pedagógica e mansamente ao petiz, naquele português doce do Brasil: - Rodinei Uaxinton, chega! Que sedentarismo, minino!...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Actividade Física.