quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Amar é apanhar piriscas, nomeadamente

Seria um casal patusco, se não fosse trágico. Desengonçados ambos, cómicos no vestir, feiinhos graças a Deus, testo e panela emparelhados de encomenda. Cirandam pelas ruas de Matosinhos todos os dias, de manhãzinha à noite, de braço dado, num andar de procissão e olhos caídos, passando o chão a pente fino à cata de piriscas reutilizáveis. Ele, posto que zarolho, tem visão de longo alcance ou então algum radar que eu não sei. Vê a beata e faz um gesto com a cabeça. Ela, em obediência canina, dobra-se, apanha a prisca referenciada, entrega-lha e corre a enfiar-lhe novamente o braço, se ele deixar, até à próxima. Ele fuma e ela vai feliz. Os dois são um filme mudo. Isso, uma fita das antigas, num preto-e-branco fatela. Digo, seria um casal patusco, se não fosse trágico: quando lhe apetece, o filhodaputa bate na mulher.

Era assim. Mas há uns meses que o vejo sozinho pelas esquinas, desamparado, perdido, dando-se ao trabalho de dobrar a espinha se quer matar o vício. E faço votos para que ela apenas o tenha deixado, a ele. Está a ter o castigo que merece, e vai de mal a pior, porque Deus não dorme, excepto aos sábados. Agora o Governo até as piriscas lhe quer tirar. Bem diz o povo na sua indesmentível sabedoria: as desgraças são como as calças - vêm aos pares.

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