sábado, 17 de junho de 2017

Em defeso do futebol 12


As lágrimas do adepto
O adepto. O adepto anda quatro anos a poupar para acompanhar a selecção no Europeu, no Mundial, na Taça das Confederações. Ou então assalta um banco. Acompanhar a seleccção no Europeu, no Mundial ou na Taça das Confederações  implica, às vezes, atravessar meio mundo e morar fora durante um mês - coisa para custar um dinheirão. O pão e água para toda a família, que fica em casa, justifica-se portanto como regime de emergência, e o assalto a bancos também. É o amor, é o país, é a selecção. Está certo.
Depois a selecção está a jogar miseravelmente e a levar três secos a dois minutos do fim e já com guia de marcha para casa. E o adepto entra numa depressão desgraçada, mãos esgadanhando a cabeça incrédula, lágrimas esborratando as pinturas de guerra, dei cabo da minha vida por esta merda, ai os meus ricos filhinhos, mais me valia morrer, uma tristeza que só vista. Exactamente. A televisão vê a tristeza do adepto - profunda, incrédula, esgadanhada e esborratada - e passa-a no ecrã gigante do estádio. Em câmara lenta e HD. As lágrimas do adepto, momento televisivo de rara beleza. O adepto vê que está a ser visto na televisão, e salta, e ri, e manda beijinhos, e faz caretas, e tira macacos do nariz, e fica tão feliz, tão feliz, tão feliz da vida, que se foda o desespero, que se foda a selecção, que se fodam os filhos, valeu bem a pena a fome que passaram durante quatro anos. Ou o assalto ao banco. Que está certo e também dá na televisão...

O desporto é bom é com gajas. Gajas boas...
Não sei quem começou, mas foi no estrangeiro. O desporto na televisão passou a ser sobretudo bancadas. Antes, durante e depois. O entretanto do campo é agora apenas uma obrigação publicitária, um bocejo de todo o tamanho. As câmaras procuram é gajas de arrebita. Gajas boas, finas e bonitas, se possível com três quartos de mamas à mostra, e eu gosto. Mas... se de repente as gajas boas, finas e bonitas metem o dedo no nariz e vão comer o carranho de há três dias, a câmara foge a sete pés que não tem, porque gajas boas, finas e bonitas não comem carranhos. São as ordens. Comem pistácios homologados pela FIFA e pela UEFA.
Pago um dinheirão pela minha televisão. Rima e é verdade. Não vejo nada, mas gosto de passar os olhos por tudo. E lá estão as gajas boas, finas e bonitas. Nas bancadas. Nas bancadas do ténis que é bem, do basquetebol americano, do voleibol português com side-out, do hóquei em patins de trazer por casa, do andebol, evidentemente do futebol, do pingue-pongue, do hipismo, do motociclismo, da Fórmula 1, da Fórmula 2, da Fórmula 3, da fórmula mágica e das fórmulas todas. Também do bólingue e dos dardos, simpáticas modalidades que, para ser correcto, ainda andam à procura de gajas boas, finas e bonitas. Nas bancadas...

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