sábado, 23 de janeiro de 2016

Viriato Correia 3

Ladrão (Confissão de um assassino)

A minha intenção não era matar. Eu queria apenas furtar a bolsa de dinheiro que a velha trazia.
Foi o diabo quem se meteu no meio. Veja lá se não foi o diabo. Ia começando a escurecer quando ouvi, no terreiro, o latido dos cachorros e um trote de cavalos. Corri à porta. Era uma velha montada numa égua, seguida do bagageiro, um pardavasco de cara amarrada, que trazia no cinto um par de pistolas deste tamanho...
A nossa casa ficava mesmo à beirinha da estrada. Quem ali chegasse à boca da noite tinha que dormir para só seguir viagem quando viessem rompendo as barras do dia. Numa distância de cinco léguas para diante não havia mais pousas, somente a mata escura que o luar não alumiava, morros e socavões que metiam medo à gente.
Eles dois, a velha e o bagageiro, vinham já sabendo que iam ali dormir.
A nossa casa não era grande, mas, como toda a casa de beira de estrada, no sertão, tinha um quarto para hóspedes.
Havíamos acabado de jantar quando eles chegaram. Minha mãe estava na cozinha lavando os pratos. Segurei o estribo da sela para que a velha apeasse, ajudei o bagageiro a tirar a carga dos cavalos, mostrei-lhe os pastos e trouxe a velha para dentro de casa.
Era uma senhora alta, magra, o cabelo como uma pasta de algodão, mas forte e dura ainda, capaz de agüentar os solavancos de uma viagem daquelas. Saltou agarrada à bolsa, a tal bolsa de couro da minha desgraça, enorme, atulhada, que ela trazia segura na mão. Pelos modos, pelos óculos de ouro, pelo vestido, pelos arreios dos animais, percebi logo que se tratava de uma velha rica.
Minha mãe veio-lhe fazer sala e eu fui, com o bagageiro, pear os cavalos na capoeira próxima.

[...]

"Novelas Doidas", Viriato Correia

(Viriato Correia nasceu no dia 23 de Janeiro de 1884. Morreu em 1967.)

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