sábado, 19 de março de 2022

Estou velho para estas merdas

Três mulheres à mesa na pequena esplanada da confeitaria famosa, gozando uma amostra matinal de sol de Inverno. São jovens, alegres, morenas, e têm um cão. Um cão pequeno, rechonchudo, de focinho amarrotado, caricatura de um velho boxista na reforma. Será talvez um pug. O estupor do cão, o sortudo do cão, passeia-se irrequieto de colo em colo, de mama em mama, esfregando-se ao comprido na brancura sedosa de seis seios quase ao léu, lambendo, lambendo e mais não sei quê, e as mordomas ali na rua sem pudores, crescentemente excitadas, vermelhas, aos gritinhos, aos saltinhos, num fuzuê que só visto.
Ora bem. Foi na parte do mais não sei quê - e digo mais não sei quê porque realmente não faço ideia, o assunto interessou-me sobremaneira, eu estava ali concentradíssimo como o Futre, invejoso, confesso, mas não consegui perceber o que se passava até às últimas consequências -, portanto, foi na parte do mais não sei quê que a mulher menos jovem, com evidente cara de dona, largou os suspiros, ganhou fôlego, esganiçou ainda mais a voz e disse ao cão, imperativa: - Frederico! Não! Não! Não! Mamãe já falou! Isso não, Frederico!
Fiquei fodido! Não tanto por causa da gaja chamar Frederico ao cão. Também chamo Frederico ao meu filho e isso nunca me incomodou, antes pelo contrário. O que me confundiu foi aquilo de ela ser mãe do cão. Estou velho para estas merdas. Fico baralhado com estas modernices sorrateiramente edipianas mas ao contrário. Não consigo acompanhar estes tempos malucos em que a nova ordem parece ser tratar os animais como pessoas e tratar as pessoas como animais. Como animais que não são tratados como pessoas. Estou definitivamente fora de prazo. E fiquei fodido!

Sem comentários:

Enviar um comentário