Levantou-se, foi novamente ao armário. E voltou com um grosso volume encadernado que tinha na lombada, em letras de ouro, o nome de seu finado avô, livre-pensador, maçom e herói do Paraguai.
Era um tratado em francês, sobre religiões. Bocejando, começou a folheá-lo. Mas, pouco a pouco, qualquer coisa a interessou. E, deitada, à luz vermelha do farol, que ia enegrecendo o alto da manga com a fumaça preta, na calma da noite sertaneja, enquanto no quarto vizinho a avó, insone como sempre, mexia as contas do rosário, Conceição ia se embebendo nas descrições de ritos e na descritiva mística, e soletrava os ásperos nomes com que se invocava Deus, pelas terras do mundo.
Até que Dona Inácia, ouvindo o cuco do relógio cantar doze horas, resmungou de lá:
- Apaga a luz, menina! já é meia-noite!
"O Quinze", Rachel de Queiroz
(Rachel de Queiroz nasceu no dia 17 de Novembro de 1910. Morreu em 2003.)
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