Como luz, a lua tem unicamente este defeito: o de não ser luz. Como há de alumiar, ela que, por sua vez, necessita de ser alumiada? ela a fraca, ela a doente, ela a pálida lua dos amantes? O seu reflexo mantém nas calçadas uma meia obscuridade, decerto muito propícia aos Romeus em cujo seio as Julietas entornam suspiros, mas altamente prejudicial aos fraques nas costas dos quais as cozinheiras despejam águas duvidosas, da natureza daquela de que se queixava o poeta:
Ce n’était pas de l’eau de rose;
Mais de l’eau de quelque autre chose.
Como elemento econômico, ela só pode produzir uma coisa: o ridículo. Um astro encerrado num decreto! A lua a render o lampião!! A marcha das esferas regida pela assembléia legislativa! Tripudiai, ó musas da comédia, que não conheço nada mais solenemente cômico. Não me espanto, se ainda vir, na folhinha: dia tantos de tal mês, S. Bonifácio; candeeiros apagados no Recife, e se se organizar um código administrativo, não deixará de se incluir um artigo como este: art. ... À lua compete a iluminação da cidade nos dias tais e tais de cada mês. Parágrafo único - A cargo do município fica velar pela rigorosa observância deste artigo. E nem, ao menos, se recordam de que, na sua qualidade de rainha da noite, ela é irresponsável, por uma disposição qualquer da constituição dos astros, correspondente ao art. 99 da nossa Constituição.
"Astros e lampiões", Silva Ramos
(Silva Ramos nasceu no dia 6 de Março de 1853. Morreu em 1930.)
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