sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Bolinhos de bacalhau no Tarrenego! 10

Foto Hernâni Von Doellinger

Aquilino, o das trutas do Coura
A Associação Portuguesa de Escritores (APE) vai recordar Aquilino Ribeiro (1885-1963), assinalando de uma só cajadada os cinquenta anos da morte do autor de "Terras do Demo" e o centenário da publicação do seu primeiro livro, "Jardim das Tormentas". Faz muito bem a APE, que propõe um interessante programa de conferências, tertúlias e percursos inspirados na vida e nos livros de Aquilino. As comemorações começam já na próxima segunda-feira, dia 25, e prolongam-se até 27 de Maio. A ideia final: divulgar a obra deste homem livre.
É, de facto, uma belíssima oportunidade para tentar explicar aos portugueses de hoje em dia que escritor não quer dizer pivô ou comentador de telejornal. Uma coisa não implica a outra e vice-versa. E que se pode ser escritor, verdadeiramente escritor, e escrever bem. Não há contradição nisso.
Pronto, está dito.
E depois temos a gastronomia aquiliniana, que também vai ser assunto e não é de menos. Aquilino Ribeiro gostava do que era bom e sabia o que era bom. Perdia-se por bolinhos de bacalhau (pastéis de bacalhau, se lido em Lisboa), adorava carne de porco em vinha-d'alhos, conhecia tudo sobre as "dez" maneiras de cozinhar truta e fazia questão de explicar como tudo se devia ajeitar.
Ora, há um sítio e um homem em Portugal que guardam e servem a cozinha e as palavras de Aquilino como se lhes tivesse sido encomendado, e não foi. Podem crer: a gastronomia aquiliniana de carne e osso foi inventada por outro, muitos anos depois da morte de Aquilino. E o outro é Manuel Vilaça Pinto, o homem extraordinário que leva tanto povo a Paredes de Coura como o festival do Taboão - e a terra não o reconhece. O sítio é o seu Restaurante Conselheiro, mesmo em frente à Câmara.
O restaurante chama-se Conselheiro devido a outro figuraço local (Conselheiro Miguel Dantas), com nome de rua, estátua e tudo, mas toda a gente pensa que é por causa do Sr. Vilaça propriamente dito. O Sr. Vilaça é, com efeito, Conselheiro para todo o serviço. Peçam a panela de cozido e ele explicará porquê...
No Conselheiro restaurante, inimitável santuário gastronómico do Alto Minho interior, é que nasceu a cozinha tradicional de Paredes de Coura. E o Conselheiro é único até nisto: promove Aquilino Ribeiro todos os dias, sem subvenções e sem esperar por cinquentenários ou outros aniversários. Estão lá o caldo-verde, os bolinhos, o porco avinhado em tinto, as trutas assim e assado. "Trutas que pediam boca que as soubesse apreciar", no dizer do mestre. E o Sr. Vilaça encarrega-se de ensinar Aquilino em cada um dos seus pratos. E oferece aos seus clientes um livrinho cheio de citações, a propósito, do autor de "A Casa Grande de Romarigães". E é tudo tão bom - a comida e as palavras...

A viagem vale a pena e é mais perto e bom caminho do que pode parecer à primeira vista. Coura é um oásis e uma festa, à mesa ou na redondeza: há o cozido e a truta, mas também a feijoada, o bacalhau ou o cabrito. As pataniscas. Para gentios que não gostem de comer, há bombos e concertinas, sorrisos e beijinhos. Para os ouvidos mais delicados, recomendo dois passos ao lado, não são precisos mais, estamos já no monte, e que se ouça esse silêncio, e que se sinta esse ar, e que se feche os olhos e se veja o paraíso inteiro à nossa volta. Depois guarde-se tudo na mala do carro - o silêncio, o ar e o paraíso -, com cuidado para não partir, e traga-se para casa. As autoridades não costumam implicar e a mala atestada costuma dar para uma semana...

P.S. - Roupa-velha de dois textos, publicados originalmente nos dias 22 de Fevereiro de 2013 e 5 de Maio de 2014. Entretanto o Conselheiro do meu querido amigo Manuel Vilaça Pinto fechou. Se soubessem o que se perdeu!...

O almocinho de domingo, graças a Deus
Um dominguinho como de costume e Deus manda. Missinha das onze, homiliazinha com palavrinhas a abater e um que outro puxõezinho de orelhas para temperar, uns acenozinhos ao rebanho, umas lambidelas recebidas na mão santa, a do cachucho, e depois... o almocinho. O almocinho de dominguinho: três pratos, tal qual a Santíssima Trindade e o outro assunto que não vem ao caso. Duas horas à mesa e sempre a dar-lhe, como se fosse castigo, penitência. "Ui! Comi que nem um abade" - desabafou, num arroto final. "Nada de modéstias, Eminentíssimo e Reverendíssimo, afinal de contas sois Cardeal, Cardeal" - acudiu o solícito secretário, jovem presbítero, com as maiúsculas numa mão e o bicarbonato de sódio na outra.

P.S. - Publicado originalmente no dia 8 de Julho de 2015. 

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