Dizem-me que as palavras já não valem nada. Mentira. As palavras são
cada vez mais poderosas, dominam as nossas vidas. As palavras até
tomaram o lugar dos afectos, dos carinhos. Reparem: antigamente davam-se
beijos, davam-se abraços; agora dizem-se beijos, dizem-se abraços. O
gesto ancestral e puro foi substituído pela retórica etiquetada, o
contacto físico acabou vergado ao esboço da intenção - à simulação. À
dissimulação?
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", e assim
ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos. Mantemos uma
distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos
outros. Dizemos. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emoticons. Dar
a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer
abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um beijo", "Desejo-lhe um
excelente abraço"...
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em
alta, navegam de vento em popa. As palavras. O que verdadeiramente está
em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória
de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.
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