Em tempos que
já lá vão, os egípcios adoravam como deuses certos animais,
sendo o mais importante o boi Ápis. Mas assim como hoje, para
seguir certas carreiras, é preciso um atestado médico
comprovativo de que o candidato possui uns tantos atributos
físicos, assim também naquele tempo só podia ser Ápis o boi que,
sendo negro, tivesse uma malha branca, triangular, na testa. Mal
as vacas tinham as crias, os sacerdotes passavam em revista os
recém-nascidos. Os que satisfaziam as condições eram apartados,
ao atingirem a idade do desmame. Tinham bons pastos e eram
incensados e adornados com rosas nos chifres. Mais tarde,
realçavam-lhes a importância com colares de prata maciça e
doiravam-lhes as pontas. Por fim, atingida a idade do
sacrifício, afogavam-nos, em pompa e ritual, numa fonte
consagrada ao Sol, e as suas múmias tornavam-se objectos de
culto.
Ora havia um
pequeno lavrador cuja cerca vizinhava com a do principal
santuário em que estas práticas se faziam. Embora pobre, possuía
uma vaca, e esta observando da cerca o que se passava nas
pradarias do santuário, conheceu o destino que esperava todos os
bois promovidos a Ápis. Desde então, sempre que estava para ser
mãe, vivia numa ansiedade. E só quando verificava, nascido o
filho, que este não tinha os estigmas da divindade, a pobre
sossegava.
Até que, uma
das vezes, lhes nasceu um bezerrinho negro... com a fatal malha
branca na testa! Chorou a triste vaca, nessa noite, o leite duma
semana. E estava nisto quando lhe ocorreu uma ideia que logo pôs
em prática: arrastou-se até à orla do Nilo, que marginava a
propriedade, recolheu uma porção de lama mais pastosa e negra
que encontrou e disfarçou com ela a malha branca do seu bebé.
Quando, no dia seguinte, um dos sacerdotes veio proceder à
inspecção do costume, mirou e remirou e foi-se embora.
Todos os dias
a boa da vaca renovava a lama, e por vezes hora atrás de hora,
pois o bezerrito gostava de cabriolar, feliz da vida, pelo prado
adiante. E assim correu o tempo. Passeando mãe e filho junto à
cerca, acontecia o bezerro ficar longo tempo de olhos fixos num
dos Ápis, admirando-lhe a majestade. E dizia à mãe:
- Que boa
vida a dele! Ó mãe, quem me dera ser Ápis!
[...]
"O Ápis", Mário Sacramento
(Mário Sacramento nasceu no dia 7 de Julho de 1920. Morreu em 1969.)
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