terça-feira, 7 de junho de 2016

Madressilva, a mãe de todas as curas

                                                                                       Foto Hernâni Von Doellinger

Duas mulheres com feições e conversa orientais. Provavelmente chinesas e aparentemente mãe e filha - concluí. Sou um perito em chinesices e outros mistérios, tomara o Sherlock Holmes. Ouço-as antes de as ver. Estão agachadas entre os arbustos do Parque da Cidade. Desolho num relâmpago, cheio de vergonha e culpa por ter olhado, e fujo dali para fora aos solavancos o mais depressa que posso. Explico os solavancos: as sapatilhas que herdei do meu filho fazem-me bolhas. Mancam-me. Já é o terceiro par que recebo assim, começo a desconfiar que estou de castigo.
Dia seguinte à mesma hora, lá estão elas outra vez. As duas outra vez aninhadas, movendo-se de cócoras pelo meio do restolho e, alto e pára o baile, isso já me autoriza a não desviar o olhar. Isso de se moverem, digo bem, mais o facto de cada uma delas arrastar consigo de vez em quando uma daquelas enormes sacas de supermercado que custam 50 cêntimos nos dias em que não são dadas. Aproximo-me. "É pala chá. Só pala chá. Só chá!", diz-me a mulher mais velha, incomodada e, parece-me, receosa da minha curiosidade.
Percebo. As duas mulheres com feições e conversa orientais catam flores de madressilva, que já esbordam das sacas de supermercado. Voltam lá todos os dias, vejo-as pelas cinco da tarde, às vezes com reforços, na zona do parque mais junto ao mar.
Consulto o dr. Google, que me explica tudo. A flor da madressilva é altamente valorizada na medicina tradicional chinesa, que lhe reconhece propriedades adstringente, antibacteriana, antifúngica, anti-séptica, antiespasmódica, antitumor, diaforética, diurética, expectorante, febrífuga, hipoglicémica, laxante e refrigerante. Usa-se para tratar a asma, o colesterol alto, a congestão linfática, a diarreia, a disenteria, a dor de cabeça, a dor de garganta, erupções cutâneas, febre, gripe, inchaços, infecção bacteriana, intoxicação gastrintestinal, laringite, queimadura do sol, sumagre-venenoso, tosse e úlceras. Se lhe conseguirmos acrescentar as unhas encravadas, estaremos então na presença de uma panaceia ao nível da nossa famosa banha da cobra, misteriosamente desaparecida das feiras mas ainda à venda, que eu bem sei.
Por outro lado: a avaliar pela posição em que é apanhada, o mais certo é que a flor da madressilva faça muito mal às costas.
Não sou dado a chás, tirando o chá de parreira. A mulher mais velha, sem que eu lhe tivesse perguntado, fez questão de dizer-me, como se estivesse a defender-se de uma acusação, que era "só pala chá". Mas porquê? A coisa também se fuma, será? Hummm!... Vim-me embora com essa pedra no sapato. E era escusado. As putas das sapatilhas já me dão mau andar que chegue.

P.S. - Isto passou-se. Escrito e publicado no dia 25 de Maio de 2012. Agora é só para avisar que a flor de madressilva, este ano com um pequenino atraso, está aí outra vez. E o NOS Primavera Sound também, para dar cabo dela. Quem estiver interessado em não morrer, é aproveitar antes da invasão. E a invasão começa já amanhã.

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