A vila é uma rua. Vem do alto dos eucaliptos pedindo licença à planície para lhe interromper o sono, atravessa uma encruzilhada de estradas por onde corre o aceno de Espanha ou do mar e, bruscamente, num ímpeto de ousadia, trepa o planalto ao encontro de uma igreja que foi covil de moiros e abades, e ali se fica, arrogante, a desafiar o pasmo da campina. À volta da igreja, as casinhas brancas, com altas chaminés que lhes furam o dorso atarracado, fecham-se num reduto que a voracidade calma do trigo não consegue romper. As mulheres vêm ansiosas às portas saber quem chegou, caçar uma novidade em primeira mão ou inventá-la, se for preciso; os homens vestem samarrões de pele de ovelha e falam e caminham lentos, austeros; os garotos correm aos sítios em que a bolota cai das árvores no regaço do mato, pela graça de Deus. Ao longo da rua há tabernas, onde o rumor brando da vida se encrespa, às vezes, em redemoinhos. Muitas tabernas. Os camponeses, depois do trabalho, sentam-se junto do balcão, apoiam os cotovelos no mármore da mesa, e ouvem. As palavras fatigam. E, por isso, um homem que saiba atirar com uma frase bem recheada e oportuna preenche uma boa hora de cogitações. Às vezes, à vila, chega gente vária. São pedras atiradas a um lago adormecido.
"O Trigo e o Joio", Fernando Namora
(Fernando Namora nasceu no dia 15 de Abril de 1919. Morreu em 1989.)
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