sábado, 16 de março de 2019

Camilo Castelo Branco 7

Gracejos que matam

Ordinariamente, chamam-se, à francesa, espirituosos uns sujeitos dotados de génio motejador, aplaudidos com a gargalhada e aborrecidos àqueles mesmos que os aplaudem. São os caricaturistas da graciosidade.
O "espirituoso", à moderna, abrange os variados ofícios que, antes da nacionalização daquele estrangeirismo, pertenciam parcialmente aos seguintes personagens, uns de casa, outros importados: chocarreiro - trejeitador - arlequim - palhaço - proxinela - polichinelo - maninelo - truão - jogral - goliardo - histrião - farsista - farsola - vegete - bobo - pierrot - momo - bufão - folião, etc.
Esta riqueza de sinonímia denota que o bobo medieval bracejou na Península Ibérica vergônteas e enxertias em tanta cópia que foi preciso dar nome às espécies.
Ora, o "espirituoso" tem de todas. A antiga jogralidade, que era mister vil, acendrada nos secretos crisóis do progresso social, chegou a nós afidalgada em "espírito" e com o foro maior de faculdade poderosa, cáustica, implacável.
Ainda assim, o estreme espírito português, por mais que o afiem e agucem, é sempre rombo e lerdo: não se emancipa da velha escola das farsas: é chalaça.
[...]

"Novelas do Minho", Camilo Castelo Branco

(Camilo Castelo Branco nasceu no dia 16 de Março de 1825. Morreu em 1890.)

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