sábado, 19 de agosto de 2017

Bolinhos de bacalhau no Tarrenego! 5

Carolino, sempre!
O Naninho Carolino, que é solteiro militante e uma jóia de moço, é Carolino por causa da avó, que era a Senhora Carolina, casada com o extraordinário Zé de Castro, o nosso poeta cauteleiro, que uma vez mandou a mulher para o hospital com uma sacholada na cabeça. De resto, o Naninho até se chama Hernâni Ferreira Castro e é um dos heróicos resistentes que vão mantendo viva a Associação Desportiva de Fafe, o seu verdadeiro caso de amor. Lembro-me sempre do Naninho (a soprar pelo canto da boca ao peidinho do penteado) quando a problemática é arroz. Carolino ou agulha, eis a questão, e eu não percebo onde é que está a dúvida.
Tomem nota, antes de mais, desta pescadinha de rabo na boca: o arroz carolino é um produto português, nado e criado nos estuários dos rios Sado, Tejo e Mondego, e Portugal é auto-suficiente na produção de arroz carolino. Já o arroz agulha é de origem asiática, quase todo importado. Não vou entrar em contradição com o que já escrevi, não tenho nada contra o que é estrangeiro, sobretudo se for melhor. Mas a verdade é que, se todos comêssemos do nosso arroz, e nós comemos arroz que nem chineses, dávamos um bom empurrão aos produtores nacionais e até podia ser que o preço ao consumidor baixasse.
Mas, patriotismos à parte, o fundamental é que o carolino é o arroz ideal para os pratos tradicionais da cozinha portuguesa. Com uma cozedura a exigir mais acompanhamento, é certo, mas mais cremoso e aveludado na calda final, e absorvendo melhor os condimentos e os paladares dos outros ingredientes, o carolino é a base indispensável para os nossos mais deliciosos arrozes, os malandros: do arroz de polvo ao arroz de tomate, do arroz de marisco ao arroz de bacalhau, do arroz de feijão ao arroz de peixe, do arroz de grelos ao arroz de cabidela, do etc. ao etc.
Quanto ao agulha, é absolutamente recomendado para quem não sabe cozinhar (por exemplo, os novíssimos chefs do arroz de atum, de lata, que lata!) ou, como agora se diz, para quem não tem tempo para estar na cozinha, que é a mesma coisa.
Portanto: carolino, sempre! E um grande abraço para o Naninho.

P.S. - Publicado originalmente no dia 29 de Setembro de 2011.

Apetecia-me bater-lhes...
Deixei passar umas horas, para não dizerem que reagi a quente. Pensei bem no assunto, pesei os prós e os contras, medi os assim assins e os vice versas. Estou calmo e consciente das dramáticas consequências que este meu texto pode vir a provocar a nível nacional e internacional, mas há alturas na vida de um homem em que um homem tem que ser homem, venha quem vier, doa a quem doer e chova o que chover. As polémicas a mim não me assustam, antes pelo contrário. E eu vi. Eu estava lá e vi, com estes dois que hão-se ser cremados. Vi um jovem casal a comer bacalhau assado na brasa com batatas fritas. Batatas fritas, estão a perceber? Batatas fritas! Perante tão dantesco espectáculo, tenho ou não tenho direito à minha dose de indignação? Pois é claro que tenho, muito obrigado.
Fui aí a um sítio que faz o melhor bacalhau assado de Portugal e, portanto, do mundo. É servido com batata cozida (é claro), coberto com cebola e azeitonas e generosamente regado com um azeite e alho tão extraordinário que só apetece dar banho ao pão. Para cumprir todos os meus cânones, falta-lhe o ovo cozido, é certo, mas esta é uma falha que eu relevo com todo o gosto.
Na mesa ao lado, o jovem casal também estava no bacalhau. Acompanhado por cerveja, uma a dividir pelos dois, logo no berço do alvarinho e do trajadura. Eu ia perdendo o apetite! Mas o pior ainda estava para vir. E veio: uma travessa de batatas fritas, porque as cozidas não lhes serviam - ficaram todas - ou então nunca tal tinham visto.
Ainda pensei desculpá-los. "Está bem, são espanhóis (não consegui sequer considerá-los galegos, era doloroso demais para mim), estes tipos não percebem nada disto". Mas não desculpei. E é preciso que se note que eu sou pela livre escolha. Para mim, cada um come do que gosta. Mas há comportamentos que, por escandalosos, devem ser guardados para o recato do lar. Eu próprio já comi bacalhau assado com feijoada à transmontana, mas foi em casa de amigos. Nunca por nunca o faria em público. Haja decoro! Para além do mais, gastronomicamente falando, a feijoada com o bacalhau na brasa é uma extravagância, enquanto que a batata frita não passa de uma indigência.
Apetecia-me bater-lhes. E ia bater-lhes, mas

reparei que um cliente, três ou quatro mesas à minha frente, estava a sentir-se indisposto, com a mulher já a pé, amparando-o e implorando auxílio com os olhos. Esqueci o resto. Vi ali a oportunidade por que esperei toda a minha vida. Pousei os talheres, cheio de classe, e preparava-me para levantar-me, ainda com mais classe, quando um atrevido se me antecipou pela direita e se dirigiu à senhora, de forma calma e discreta, dizendo exactamente o que eu ia dizer:
- Desculpe, eu sou médico. Então o que é que se passa? Posso ajudar?
Usurpador de merda! Apetecia-me bater-lhe. Aquela frase era minha. Minha! Aos anos que ando a ensaiar, a ver filmes e séries. Eu diria aquilo muito melhor. A única vantagem do gajo é que era médico...

P.S. - Publicado originalmente no dia 3 de Outubro de 2011.

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