terça-feira, 14 de maio de 2024

A honra dos Silvas

A minha família leva muito a sério o seu apelido Von Doellinger. Eu não. A minha família tem muito orgulho no seu apelido Von Doellinger. Eu tanto se me dá. Para mim, ser Von Doellinger ou ser Silva é igual ao litro, e só tenho pena de não ir ao nome do meu lado de Basto, que é Pereira, mas esqueceram-se.
Quando assim falo, que é sempre, os meus parentes caem-me em cima, protestam a sua mais entranhada vaidade onomástica e ameaçam banir-me do clã, e eu contra isso nada. Ouço-os, isto é, faço de conta que os ouço, mas penso noutra coisa. Penso nos Silvas. Penso como seria bonito ver alguém sair a terreiro em defesa da honra dos Silvas. Exactamente: alguém de velha têmpera e honra antiga que, armado em Von Doellinger de corrida, ousasse chegar-se à frente para gritar alto e bom som, de estandarte em punho e peito inflado de altivez:
- Eu tenho muito orgulho em ser um Silva, há algum problema?!...
Os Silvas, é preciso que se note, não são uma merda qualquer, e não estou sequer a falar do ilustre casal de ex-inquilinos do Palácio de Belém, que faz aqui tanta falta como o queijo gruyère numa caldeirada de enguias. A primeira linhagem de Silvas é de príncipes e anterior à fundação da nacionalidade portuguesa. Os Silvas de pé-rapado conquistaram Portugal e os Brasis, é só ir ver as listas telefónicas. Os Silvas são uns grandes pinantes, é só ir ver os registos dos motéis, mas aqui são nomes falsos. Os Silvas, se um dia se chateiam, o País pára, porque os Silvas são o País. Chamar ó Silva! num autocarro articulado da Carris é um perigo: os 145 passageiros (48 sentados, 96 de pé e um numa cadeira de rodas) olham todos para trás e o motorista também. O Silva dos Plásticos, toda a gente sabe, era mais conhecido do que o Papa. Silva I seria, aliás, um bom nome para um Papa português, e há logo quem pense no poeta José Tolentino Mendonça.
Embora de nascença ninguém escolha ser Silva, nem ser nome nenhum, está visto que os Silvas só têm motivos de orgulho. E quem diz os Silvas, diz os Santos, os Ferreiras, os Antunes, os Rodrigues, os Costas, os Oliveiras, os Martins, os Sousas, os Gonçalves, os Almeidas, os Carvalhos, os Farias, os Magalhães, os Alves, os Teixeiras, os Lopes, os Ribeiros, os Ramos e até os Brochados. Sim, porque não os Brochados? Há algum problema?

P.S. - Publicado originalmente no dia 21 de Setembro de 2011. Hoje é Dia Internacional da Família, e portanto cá estamos.

11 comentários:

  1. INFORMAÇÃO
    Devido a um pequeno problema técnico, foram inadvertidamente apagados os comentários já feitos a este texto. Assim dito, parece verdade, e é. Peço desculpa aos comentadores e aos leitores. A casa continua aberta e, até ver, sem censura.
    h.

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  2. Eu, um Silva verdadeiro, até estive para comentar este texto. Mas, quando percebi que aqui havia censura, preferi fazê-lo na posta anterior. Viva a liberdade!
    Abraço,
    P.

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  3. Exactamente: Viva a liberdade! 23 de Setembro sempre! Às 13h30, mais coisa, menos coisa.

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  4. Para a próxima... edita e torna a publicar que os comentários mantêm-se...:) Ora, eu tenho orgulho imenso em nem ser Silva nem Van Doellnger, rrssss Beijo

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  5. Já eu, ao contrário do comentador que se assume como "Silva verdadeiro", não acho que aqui haja qualquer tipo de censura, e a prova disso, é que, volto a chamar COVEIRO ao Sr. Silva que habita o Palácio de Belém. O que provavelmente acontece com o Hernâni é o mesmo que acontece comigo, ou seja, alguma falta de destreza em lidar com as novas tecnologias. É que, no nosso tempo de escola, a "Ferramenta", era apenas e só, a nossa cabeça.
    Abraço
    Gaspar de Jesus

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  6. "Alguma falta de destreza para lidar com as novas tecnologias"?! Eu, caro Gaspar? Eu, que praticamente fui o inventor das novas tecnologias? Eu que lido com as novas tecnologias de olhos fechados, com uma perna às costas, de calcanhar e sem mãos! Sinto-me insultado, excelentíssimo senhor. Fosse eu desse tempo antigo de que o caríssimo amigo fala e é, e pode crer que o desafiava para um duelo...

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  7. Um forte abraço do parente desconhecido mas que tem o enorme prazer de o conhecer.

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  8. Ficamos assim, então. Um forte abraço também para o parente desconhecido.

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  9. Muitos programas poderiam ser feitos sobre esta problemática dos Silvas. Mas relevarei apenas isto: os Silvas de sangue azul e "os outros" são provavelmente primos. Como provavelmente todos os portugueses (e portuguesas) têm algum Silva entre os seus antepassados. Até eu! O que significa, como um dia disse um nosso insigne historiador, que andámos há gerações e gerações a procriar alegremente com parentes.
    M.

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  10. Já diz o povo: quanto mais prima, mais se lhe arrima...

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