quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Em nome do Espírito Santo 2

As irmandades promovem a celebração das festas, ano após ano, sempre como manda o figurino: empresa a merecer desde logo, para afinação de prolegómenos, convocatória em jornal, assembleia geral e tudo. O espírito que lhes preside é ainda o da caridade cristã, em escrupulosa obediência às suas origens. Na verdade, chamando ao caso a Rainha Santa, reza a velhinha Revista dos Açores que, condoída com "a parte desgraçada dos seus súbditos que, cobertos dos humildes andrajos e com a escudela, aguardavam o pão da caridade às portarias dos conventos e mosteiros [...], a piedosa Soberana, amante do seu povo, quis que os pobres também um dia se banqueteássem, quis que tivessem um dia jubiloso, um dia verdadeiramente popular". Ora aqui está: por invocação e louvor do Paráclito, assim nascia o bodo aos pobres.
Ao par, desenvolvem-se rituais gentios, manifestações exteriores de grande colorido e riqueza etnográfica cujo cunho ousadamente profano bastas vezes serviu de justificação à intromissão disciplinadora da autoridade eclesiástica (que proibiu nos templos a presença das folias, mais os seus cantares e danças) ou a outros insucessos tutelares votados a "desterrar da região insulana aquelas estranhas práticas". Jamais, no entanto, apareceu quem ousasse interferir na realização das coroações, dos impérios ou dos arraiais do Espírito Santo. Ademais, hoje em dia, do melhorzinho que os festejos têm para oferecer é exactamente essa estimulante dualidade preservada de rituais, sacros, pagãos, que convivem e se completam.
Da festança, além dos cerimoniais santos e dos divertimentos populares, faz parte, em lugar cimeiro, uma farte e colectiva refeição comida à base do pão e da carne, também partilhados em esmola pelos mais precisados. São as tão apreciadas sopas, assim chamadas, embora do cardápio conste a carne cozida, que se ajunta à sopa propriamente dita, seguindo-se a carne assada à maneira e a alcatra, que nalguma ilhas se acompanha com a típica massa sovada, esse pão tão especial. Mandando o serviço, assistindo de mesa em mesa, cuidando para que nada falhe: a figura omnipresente e eficaz do marchante.

(Este é que é o Espírito Santo bom. O outro, o Espírito Santo dos salafrários, vai continuar a comer-nos, e não pouco. Estes textos foram publicados em Julho de 2011. A repetição é uma sentida homenagem aos alegados governantes de Portugal que agora nos querem vender a Quarta Pesssoa da Santíssima Trindade. Acham que somos todos parvos, e se calhar somos. Amanhã há mais.)

2 comentários:

  1. Não param de fazer de nos enganarem, de fazerem de nós burros. E o pior é que somos...!!!

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  2. Eu queria dizer «enganar». Ainda me recuso a aderir ao novo acordo... :-(

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