sexta-feira, 6 de maio de 2022

Delícias do mar mas pouco

Areia macia e morna, água, o sal da terra, cheiro a argaço, sol quando Deus quer, a brisa nas ventas, o falar das ondas, o silêncio do horizonte a ganhar de vista, madrugadas de pés molhados, ocasos de fogo, Apúlia, um fino bem tirado, pescadores, peixeiras, surfistas, parassurfistas, ciclistas e todos os tipos de nudistas, a Foz, Matosinhos, a ver navios, os números do Porto de Leixões, camarão da costa, gambas no Peixoto de Fafe que já não é, cracas em São Mateus, alcatra de peixe no Boca Negra, lapas em casa do Victor e da Ana, ilha Terceira, ilha Terceira, ilha Terceira, ecos de Nemésio, mexilhões de vinagreta, masoquistas esturricando agosto e areando os entrefolhos, amêijoas à Bulhão Pato no portinho de Âncora, o bacalhau assado na brasa do Senhor Álvaro em Valença, o bacalhau assado no forno pela minha mãe, o bacalhau de quarto da minha avó de Basto, os bolinhos de bacalhau da minha avó da Bomba, a punheta de bacalhau do meu cunhado Álvaro, as trutas "do Coura" do querido amigo Vilaça Pinto, que, palavra de honra, era como se fossem marítimas, polvo de molho-verde, o meu polvo frito, as lulas recheadas da minha sogra, as sardinhas da Dona Dina, navalhas na chapa, arroz de tomate com petinga, ou com jaquinzinhos, ou arroz de grelos com, ou arroz de feijão com, mas malandro, malandro, malandro, ou, supra-sumo dos supra-sumos, o arroz de feijão vermelho com grelos e bacalhau frito da minha cunhada Isabel, fanecas, biqueirão, marmotinha de rabo na boca, filetes de peixe-galo, a raia frita no Salta o Muro aqui à porta, a lagosta na ilha de São Jorge comida à ganância e à moina, as percebes na ilha do Sal, as bandejas nas rias galegas, carapaus grelhados no quintal do meu sogro, ostras de Setúbal degustadas em Bordéus, a mastodôntica cabeça de pescada que vou cozer para o jantar, os tremoços da Marrequinha da Recta. Isto são delícias do mar. Outra coisa não:
Fitas de nastro tingidas de cor-de-rosa gomitado, cortadas em palitos empacotados e refrigerados em vácuo e vendidos à babuge nos supermercados não são, por mais que lhes chamem, delícias do mar! Não, não e não! Serão tudo o que quiserem - delícias do mar, não!

P.S. - Publicado originalmente no dia 17 de Dezembro de 2017.

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