quarta-feira, 15 de junho de 2016

Histórias de cães e outros animais 3

O meu cão
Eu tenho um cão imaginário. Chama-se Parkinson, porque quando quero chamar por ele nunca me lembro do nome Alzheimer. A raça do meu cão tem dias, vantagem de ser imaginário: às segundas é perdigueiro, às terças é labrador, às quartas é são bernardo, às quintas é pastor alemão, às sextas é dálmata e aos fins-de-semana é sobretudo rafeiro. O meu cão nasceu no país certo.
O meu cão fica-me muito em conta. Não come mas cala, dispensa vacinas e vitaminas, nunca vai ao veterinário, não precisa de casota nem de agasalhos para o inverno, e só me custa o preço da trela. O meu cão conhece o dono e não morde a mão que não o alimenta. Se todos fôssemos cães assim, vínhamos mesmo a calhar ao Eurogrupo.
O meu cão faz-se muito bem de morto e corre atrás de qualquer bugiganga que lhe atire. Só lhe falta falar. O meu cão não ladra às pernas das pessoas nem fornica com as pernas do dono, não abocanha, não caga no passeio, não mija nos pneus do carro do vizinho, não tem pulgas nem chatos, nem anda por aí a emprenhar cadelas mais ou menos oferecidas. É como se não existisse. O meu cão é um exemplo de cidadão.
Já mo quiseram comprar e eu não o vendi. Foi um vendedor de empregos imaginários: dava-me dois-extraordinários-empregos-dois em troca do meu cão simplesmente. Nã!... Antes quero o cão.


Quem me dera ser cão
"Portugueses já gastam mais com cães do que com bebés", dizia a capa do semanário Expresso. Acontece no país certo.


Matosinhos, sol e saralhotos
Matosinhos à tarde. Sol que era um consolo. O casal descia a rua, a minha, em direcção ao mar, puxado pela trela do pequeno cocker. Eis senão quando, porventura desarranjado pelo strogonoff de vitela e leite-creme do almoço, o aflito canídeo arriou as calças e cagou ali mesmo em pleno passeio, com evidente alívio pessoal e grande satisfação dos babados papás. Acabada a obra, a madama, higiene e civismo acima de tudo, foi à carteira e retirou um lenço de papel de um branco imaculado, abriu-o, ao lenço casto, e voltou a dobrá-lo, liturgicamente, agora apenas em dois, baixou-se, quase que me pareceu que se benzia, e... limpou o cu ao cão. Depois amarrotou o papel e lançou-o para junto do saralhoto. No meio do passeio. Do meu. E lá seguiram os três para o mar e para o sol, dois deles puxados pela trela.
A autarquia agradece. Faz colecção. No brasão de Lisboa figuram corvos, no de Matosinhos deveriam desenhar saralhotos.

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