terça-feira, 30 de junho de 2020

A Coca faz-me falta

A pandemia quase que me tira a fé. Fátima foi o que foi e mesmo assim deu para o torto, o Senhor de Matosinhos andou por aqui a passear de atrelado, não sei como vai ser agora com a Senhora de Antime, em Fafe, mas sobretudo fez-me falta a Coca. A Festa da Coca de Monção, que coincide com o Corpo de Deus, também ficou sem efeito este ano derivado ao coronavírus. Eu estava habituado, gosto da Coca - para que é que hei-de mentir? Gosto. E a seguir, uma boa foda.

Sou todo ouvidos

Foto Hernâni Von Doellinger

Como quem demolha bacalhau

Com a pressa de acabar o campeonato de futebol dentro do prazo, as equipas são obrigadas a jogar praticamente de 72 em 72 horas. Como quem demolha lombos de bacalhau de quatro quilos.

Mobiliário urbano (propriamente dito) 181

Foto Hernâni Von Doellinger

Bravo!, bravo!, bravo!, gritou-se na ópera

O São Carlos rebentando pelas costuras, o público, conhecedor, finíssimo, lisboeta, num delírio de palmas compassadas e gritos comedidos (os chamados gritinhos): - Bravo!, bravo!, bravo!...
O touro, um Miura rondando os 650 quilos, assomou à boca de cena e agradeceu, composto e patriótico: - Gracias, muchas gracias!...

P.S. - Publicado originalmente no dia 20 de Fevereiro de 2017. O Teatro Nacional de São Carlos, a nossa Ópera, foi inaugurado no dia 30 de Junho de 1793.

Também faço isto muito bem 427

Foto Hernâni Von Doellinger

Joaquim Namorado 4

Caridade

As senhoras da sociedade
deram um baile a rigor
para vestir a pobreza
e a pobreza horas a fio
cortou, coseu, enfeitou
os vestidos deslumbrantes
que a caridade exibiu.

Depois das contas bem feitas
bem tiradas as despesas
arranjou um namorado
a mais nova das Fonsecas;
esteve bem a viscondessa,
veio o nome e o retrato
da comissão nos jornais,
e o Doutor, o Menezes,
o senhor desembargador,
estiveram muito engraçados,
dançaram o tiro-liro
já meio-tombados...

Parece que ainda sobrou
algum dinheiro para chita
para vestir a pobreza
numa festa comovente
com discursos de homenagem
e uma missa...
a que assistiu toda a gente.


Joaquim Namorado 

(Joaquim Namorado nasceu no dia 30 de Junho de 1914. Morreu em 1986.)

Offshore, se fashavore 257

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 29 de junho de 2020

To be, or not to be

Do palco para os estádios
Shakespeare. Nasceu em Stratford-upon-Avon, era o ano de 1564. Depois de ter cumprido uma razoável carreira como poeta, dramaturgo e actor, morreu em 1616 para dedicar-se por inteiro ao sonho de toda a vida: o futebol profissional. Jogou no Walsall, no Sheffield Wednesday, no West Bromwich Albion, no Grimsby Town, no Scunthorpe United, no Telford United e no Hednesford Town. Virou treinador. No ano de 2017 orientou durante quatro meses o Leicester City, deixando-o na zona de descida à segunda divisão inglesa, e actualmente está sem clube.

Uma questão de gosto
O inglês Guilherme Shakespeare escreveu tubi ornotubi detesdaquestcham. Ornotubi. O nosso Luís Vaz escreveu, e certamente antes do bife, al maminha gentil quetepartiste. Maminha. Para mim, Shakespeare 0 - Camões 1.
Alinhavei o penetrante pensamento supra no dia 1 de Novembro de 2014. Continuo a gostar muito mais de maminha, e evidentemente não estou a falar de carne para churrasco. Na altura, um leitor anónimo mas de óbvia costela anglófila comentou que "Shakespeare é maior que Camões". Eu respondi: "Mas Hrtdfsgnkgetrfdcçygetñtecho é maior do que Shakespeare". E mantenho.

P.S. - O londrino Globe Theatre, onde William Shakespeare apresentou as suas peças, foi destruído por um incêndio no dia 29 de Junho de 1613.

Vida de cão 509

Foto Hernâni Von Doellinger

Entre átonas e tónicas, a Antena 1 não sabe

Dizer que. Já tinham o Trófense, por causa de ser da Trofa, e agora inventaram os ávenses, derivado a serem das Aves. Os rapazes do desporto da Antena 1, que é praticamente a única rádio que eu ouço, e gosto, têm um problema, eventualmente uma disfunção, com a maneira de dizer palavras. Eles, cuja profissão é, fino modo, dizer palavras. Um destes dias ainda os escutarei a falarem dos fárenses, por serem de Faro, dos pôrtuenses por serem do Porto, dos brácarenses por serem de Braga, dos pácenses por serem de Paços de Ferreira ou, puxando a brasa à minha sardinha, dos fáfenses, por serem de Fafe.
É o falso dilema entre sílabas átonas e tónicas. Eu resolvo-o com gin.

P.S. - Publicado originalmente no dia 20 de Janeiro de 2019. Agora, um pedido de desculpas: esqueci-me completamente do Dia Nacional do Gin Tónico, celebrado sempre no primeiro sábado do Verão. Foi há pouco mais de uma semana, pode ser que ainda vá a tempo...

A cidade das traseiras 62

Foto Hernâni Von Doellinger

Na sombra

Fechou-se em casa, com medo de ser contaminado. E manda a sombra fazer-lhe os recados.

A guitarra que caminha

Foto Hernâni Von Doellinger

Leo Lynce 4

Na estação da roça
 
- Lá vem o trem...
Ninguém apeia
na estação da roça.
Quer harmonia de face!
Que lindos olhos de brasileira
numa janela de primeira classe!
Na curva, adiante, o trem arqueia,
e uma luva de pelica
- tributo da simpatia de um minuto -
sacode adeuses para alguém que fica...
triste e sozinho, na estação da roça...

Foi, talvez, a felicidade que passou...


"Poesia Quase Completa", Leo Lynce

(Leo Lynce nasceu no dia 29 de Junho de 1884. Morreu em 1954.)

Também faço isto muito bem 426

Foto Hernâni Von Doellinger

Oldemar Justus 4

A mulata reboleira
desacanhada e versátil
achou de fazer carreira
na difícil vida fácil...


"Ecos & Silêncios", Oldemar Justus

(Oldemar Justus nasceu no dia 29 de Junho de 1922. Morreu em 2006.)

Estou mesmo a ver o filme 113

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 28 de junho de 2020

Ai, melher, o maneirismo!...

O maneirismo desponta na Europa em meados do século XVI e logo começa a ser criticado. A homofobia é, com efeito, uma doença muito antiga.

Vidas... 8

Foto Hernâni Von Doellinger

O futuro está no teletrabalho

Tem sido um sucesso o apoio domiciliário em teletrabalho a idosos sozinhos e acamados. O Governo pretende alargar a experiência aos transportes públicos e à construção civil.

O novo normal 14

Foto Hernâni Von Doellinger

Raul Seixas 4

Esse negodiamô

Sem concepção de tempo,
O papel já terminou
Você vê que nada ficou
Sem poder dormir você pensa em fugir
Mas não há pra onde ir

Lá trancado no porão
Que é escuro mas é clara sua visão
Daquilo que você tanto esperou
Não passava de um sonho
Sobre esse negócio de amor
Doeu na hora que você acordou
Ao som agudo de um despertador
Mais barulhento que o apito
Do guarda abrindo o sinal.

Você procura entender,
Sabendo que não há porquê
Tudo é apenas o que é
Vai morrendo firme em pé
Você vê que não sabe de nada
Você louco e ela calada
Ela foi linda e clara esta noite
Inevitável, claro o açoite
E a dor foi mais que demais

Tudo que cê aprendeu desde que você nasceu
Embora sempre cê desconfiou
Que a gente é gente e é isso aí
Mas no entanto cê esperou
Sei lá, um milagre ou coisa assim
De repente o punhal
Mostrando as frestas do que é
Aí se entende o que é morrer
Estando vivo pra saber
Que cê não passa de um guri

Sua mente flashbacka atrás
aos catorze anos ou pouco mais
As meninas coloridas de batom
de rouge de risadinhas freteiras
Eram todas tão iguais
Sempre elas e sempre o rapaz
Transbordando de amor
Preferi ser escritor sem mesmo sequer saber
Que eu também queria amor
Como um susto bem pregado
De repente vi que tinha esse negócio mesmo
De estar apaixonado
Vi o mundo do outro lado
Tudo tão certo e tudo tão errado


Raul Seixas

(Raul Seixas nasceu no dia 28 de Junho de 1945. Morreu em 1989.)

Também faço isto muito bem 425

Foto Hernâni Von Doellinger

Arquimedes da Silva Santos 2

Sinistro bando de corvos
ronda nossos magros corpos.

Se algum de nós desfalece
logo aduncas garras descem.

Piam na noite agoirentos
medo espalhando entre as gentes.

Se algum de nós estremece
logo negras sombras crescem.

(E nós cativos por corvos e mistério
neste cemitério de semivivos!) 

Arquimedes da Silva Santos 

(Arquimedes da Silva Santos nasceu no dia 28 de Junho de 1921. Morreu em 2019.)

Vida de cão 508

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 27 de junho de 2020

As nudezes de Marisa Cruz

Uma vez Marisa Cruz entrou num filme e apareceu nua. Foi em 2004. O filme, de António Cunha Teles, chamava-se "Kiss Me" e entravam lá também o Nicolau Breyner, o Rui Unas, o Marcantónio Del Carlo e até a Clara Pinto Correia, entre outros. Marisa Cruz estava então com o jogador de futebol João Pinto, com quem assinaria casamento em 2009 e do qual rescindiria em 2013. Tiveram tempo para dois filhos. João Pinto é hoje director da Federação Portuguesa de Futebol, mas em 2004, época da estreia do filme, jogava no Boavista. Eu não entrei no filme, casei com a minha mulher no século passado e cá estamos, nunca joguei no Boavista nem sou assalariado da FPF. Em 2004 trabalhava no 24horas, Redacção do Porto, e as inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me telefonar ao Jaime Pacheco, que era o treinador dos boavisteiros, a perguntar-lhe se tinha visto o filme, o que é que achara do corpo da Marisa e se tinha comentado o assunto com o João Pinto. As inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me também telefonar aos colegas do João (lembro-me do Frechaut, do Diogo Valente e do Martelinho, por exemplo), a perguntar-lhes se tinham visto o filme, o que é que acharam do corpo da Marisa e se tinham comentado o assunto no balneário. As inteligências lisboetas do meu jornal mandaram-me ainda para a porta do cinema, no NorteShopping, se não estou em erro, a perguntar aos espectadores se gostaram de ver a Marisa nua, se ela era mesmo boa como o milho, como parecia vestida, e se coisa e tal... Às inteligências lisboetas do meu jornal, eu mandei-as à merda. E ao filme também. Nunca o vi. Vejo hoje num jornal desportivo - é o que me parece, desportivo - que Marisa Cruz continua a querer mostrar. Está no seu direito. Eu se lhe soubesse desta mania, às tantas, em 2004, em vez de guardar respeito, talvez devesse ter-me dado ao trabalho...
As inteligências lisboetas do meu falecido jornal estão hoje muito bem colocadas nos melhores jornais de referência da nossa praça. Lisboetas, os jornais, bem entendido.

P.S. - Publicado originalmente no dia 23 de Maio de 2019. Marisa Cruz nasceu no dia 27 de Junho de 1974. Só para facilitar as contas: faz hoje 46 anos.

À sombra de uma grande cabeça

Foto Hernâni Von Doellinger

Bob Zimmerman Dylan

Robert Allen Zimmerman nasceu na cidade americana de Duluth, Minnesota, em 1941, e gostava muito de cantar. Cantava, por exemplo, que os tempos estão a mudar. Mas cantava de uma maneira tão inesperadamente fanhosa que as pessoas começaram a chamar-lhe Bob Dylan.

P.S. - Bob Dylan pôs cá fora "Rough and Rowdy Ways", um novo álbum de originais, o primeiro desde que ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 2016. Foi há uma semana e é preciso ouvi-lo!

Na minha rua passa o mar 82

Foto Hernâni Von Doellinger

Guimarães Rosa 9

Revolta

Todos foram saindo, de mansinho,
tão calados,
que eu nem sei
se fiquei mesmo só.

Não trouxe mensagem
e nem deram senha…

Disseram-se que não iria perder nada,
porque não há mais céu.
E agora, que tenho medo,
e estou cansado,
mandam-me embora…

Mas não quero ir para mais longe,
desterrado,
porque a minha pátria é a minha memória.
Não, não quero ser desterrado,
que a minha pátria é a memória…

"Magma", Guimarães Rosa

(Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de Junho de 1908. Morreu em 1967.)

Também faço isto muito bem 424

Foto Hernâni Von Doellinger

Rui Caeiro 3

A dor de um gato 

Quando cegaste foi de vez. Sem aviso prévio e dos dois olhos em simultâneo.
Não foi de um dia para o outro, foi mais o que se chama de um momento para o outro.
De um momento para a noite, melhor dizendo.
Quando cegaste foi como se na casa uma espécie de morte tivesse dado sinal de vida, essa sua espécie de vida.
Pois quantas vezes é assim, absurda e traiçoeira, que ela vem. E se instala.
Tu, indeciso e desorientado, andavas sem rumo pela casa às topadas a móveis, sacos de plástico, pilhas de livros.
Não foi um espectáculo bonito de se ver, acompanhado com miador que eram verdadeiros gritos de dor, de aflição, ou de cólera.
Ou, mais provável, tudo isso junto.
Grande ironia do destino, pensei na altura, logo os teus olhos.
Que eram amplos, redondos, curiosos, sempre alerta e cheios de luz.
Uns olhos de fazer inveja a muita gente que eu cá sei.
E gritaste, durante uns bons minutos gritaste.
Um som não ouvido até então, um novo som arrancado à natureza, ou ao mais fundo da tua animal sinceridade.
Um som que percutia os tímpanos com a sua nota de urgência e pânico.
Sabia-se de onde ele vinha, o som, não para onde ia.
Sim, para onde, se é que ia para algum lado? A quem se dirigia, se é que era dirigido a alguma coisa ou alguém?
A mim não seria: sabias, com a tua antiga e animal sabedoria, que eu nada te podia valer.
A Deus também não seria: os gatos, é coisa bem conhecida, não vão em trapaças.
Resta o puro NADA como hipótese, resta a
GRANDE PUTA QUE A TODOS NOS PARIU!

Rui Caeiro, na revista Piolho

(Rui Caeiro nasceu no dia 27 de Junho de 1943. Morreu em 2019.)

O novo normal 13

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Em memória de Salvador Allende

Riscado da lista de pagamentos da Capital Europeia da Cultura 2012, o Teatro Jordão está para ali, com todo o aspecto de abandonado e esquecido, a um mês de fazer 75 anos. É mais uma triste metáfora do desgraçado país que somos. Já li sobre reabilitações, orquestras sinfónicas, bandas, academias, artes dramáticas e visuais, universidades, estudos, anteprojectos, projectos - e nada. Tretas e mais metáforas. Havia umas obras marcadas para terem início em 2013 e eu não sei porquê mas não acredito nelas. Já não há metáforas que aguentem. Não sei o que Guimarães pensa ao certo do caso, mas a mim parece-me que o azar do Jordão é a vizinhança: o mau-olhado do Centro Cultural Vila Flor que lhe fica resvés e come tudo, tudo, tudo, como o Sebastião da ancestral cantiga.
Também não sei o que o Teatro Jordão significa realmente para os vimaranenses e se a cidade reivindica a preservação física da velha sala de espectáculos. Sei o que o Jordão significa para mim, mas a minha memória vai para além das pedras. A casa pode vir abaixo, que as recordações daqui não saem.
"Chove em Santiago", o filme de Helvio Soto sobre os últimos dias do governo de Salvador Allende e o golpe militar no Chile, vi-o pela primeira vez no Jordão de casa cheia e a explodir de repente numa enorme manifestação antifascista, comício de ignição espontânea, de raiva, o pessoal de pé em cima das cadeiras, de punhos cerrados e erguidos, com uma única e cada vez mais vociferada palavra de ordem - Filhos da puta! Filhos da puta!! Filhos da puta!!!
Andávamos ainda com o fogo do 25 de Abril no rabo e ninguém nos aturava. Bons tempos aqueles, havia sonhos.
O Jordáohe, como se chama em Guimaráes, foi também o cinema dos meus primeiros filmes pornográficos. Era a novidade. A pornografia tinha chegado há pouco, com a liberdade, que afinal é sempre um pau de dois bicos. Devo esclarecer, por falar nisso, que os filmes pornográficos do Jordão faziam muito mal aos intestinos, pior do que garrafão de vinho doce bebido de uma assentada. Nos intervalos era um ver se te avias para ir à retrete, filas imensas de braguilhas aflitas à porta das sentinas, porque os urinóis para o caso não serviam.
Quando me internacionalizei, um ou dois anos depois, em França, pude verificar que com os estrangeiros, muito mais batidos na matéria, a coisa funcionava de maneira diferente. Para além de cada qual poder escolher o lugar que quisesse na sala praticamente às moscas, não era preciso esperar pelo intervalo nem ir à casa de banho. Os castiços dos franceses, toujours en avance...

Já agora: ao contrário do que muito boa gente pensa que sabe, incluindo alguns figurões com alegadas responsabilidades literárias, "Chove em Santiago", célebre verso de abertura de um belíssimo poema de Federico García Lorca, não se refere a Santiago do Chile, mas a Santiago de Compostela. À minha querida Santiago de Compostela, pela qual o poeta e dramaturgo andaluz também se enamorou.
Lorca publicou em 1935 um pequeno livro a que deu o nome de "Seis Poemas Galegos". Em galego o escreveu e o poema mais conhecido do opúsculo é exactamente este:

Madrigal á cibdá de Santiago

Chove en Santiago,
meu doce amor.
Camelia branca do ar
brila entebrecida ô sol.
 

Chove en Santiago
na noite escura.
Herbas de prata e de sono
cobren a valeira lúa.
 

Olla a choiva po-la rúa,
laio de pedra e cristal.
Olla no vento esvaído,
soma e cinza do teu mar.
 

Soma e cinza do teu mar,
Santiago, lonxe do sol;
ágoa da mañán anterga
trema no meu corazón.


Federico García Lorca

 
P.S. - Publicado originalmente no dia 16 de Outubro de 2013, então sob o título "Teatro Jordão, da pornografia à morte lenta". Salvador Allende nasceu no dia 26 de Junho de 1908.

A cidade dos fundos

Foto Hernâni Von Doellinger

O cu e cinco tostões

Tinha aquela mania tola de dizer repetida e inopinadamente, como se fosse um mero portanto, "dava o cu e cinco tostões". Nunca lhe aceitaram o dinheiro.

Também faço isto muito bem 423

Foto Hernâni Von Doellinger

Maria Velho da Costa

Mulheres e revolução

[...]
Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado. Elas alargam o cós das saias. Elas choram a vomitar na pia. Elas limpam a pia. Elas talham cueiros. Elas passam fitilhos de seda no melhor babeiro. Elas andam descalças que os pés já não cabem no calçado. Elas urram. Elas untam o mamilo gretado com um dedal de manteiga. Elas cantam baixinho a meio da noite a niná-lo para que o homem não acorde. Elas raspam as fezes das fraldas com uma colher romba. Elas lavam. Elas carregam ao colo. Elas tiram o peito para fora debaixo de um sobreiro. Elas apuram o ouvido no escuro para ver se a gaiata na cama ao lado com os irmãos não dá por aquilo. Elas assoam. Elas lavam joelhos com água morna. Elas cortam calções e bibes de riscado. Elas mordem os beiços e torcem as mãos, a jorna perdida se o febrão não desce. Elas lavam os lençóis com urina. Elas abrem a risca do cabelo, elas entrançam. Elas compram a lousa e o lápis e a pasta de cartão. Elas limpam rabos. Elas guardam uma madeixita entre dois trapos de gaze. Elas talham um vestido de fioco para uma boneca de papelão escondida debaixo da cama. Elas lavam as cuecas borradas do primeiro sémen, do primeiro salário, da recruta. Elas pedem fiado popeline da melhor para a camisa que hão-de levar para a França, para Lisboa. Elas vão à estação chorosas. Elas vêm trazer um borrego à primeira barraca e ao primeiro neto. Elas poupam no eléctrico para um carrinho de corda.
[...]

"Cravo", Maria Velho da Costa

(Maria Velho da Costa nasceu no dia 26 de Junho de 1938. Morreu no passado dia 23 de Maio.)

Levanta-te e leva-me!

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 25 de junho de 2020

As claques, essa perigosa desnecessidade

Dizem-me que as claques têm um lado bom. Eu nunca o vi.
Dizem-me que as claques fazem falta ao futebol. Que tolos! O futebol é que faz falta às claques, mas não por causa do futebol.

Comecei a ir ao futebol pela mão do meu pai. Íamos ao Campo da Granja ver o Fafe. O Campo da Granja tinha uma bancada pequena apontada ao grande círculo e uma nora atrás da baliza do lado de São Gemil. A nora, neste caso, era um engenho para tirar água de um poço e não funcionava. Mas ficava num altinho muito jeitoso para a assistência. A assistência naquele tempo não era passe para golo, era pessoas. Eu e o meu pai víamos os treinos, os jogos, os juniores em vez da missa (o que arreliava a minha mãe), as reservas e, ao domingo à tarde, o primeiro time. Os domingos à tarde da minha infância eram os melhores dias do mundo. Até tinham altifalantes com marchas do John Philip Sousa. Depois o meu pai deixou de ir à bola, por razão de força maior, e eu continuei.
O Campo da Granja desistiu para dar lugar a uma escola de pré-fabricados. E foi bom para todos. Ganhámos o ciclo preparatório e um estádio que havia de ser, mesmo encostado aos Bombeiros. Apareceu-me o buço e, embora uma coisa não tenha a ver com a outra, passei a acompanhar a Associação para todo o lado, pendurado na generosidade de amigos mais velhos e com emprego. Frequentei todos os campos e estádios do Norte do País e, já praticamente de bigode, até fui ao Barreiro arrancar à CUF um lugar nas meias-finais da Taça de Portugal que nos roubaram.
Quando mudei a minha vida para o Porto ainda se ia ao futebol em família. Quero dizer: famílias inteiras, com pai, mãe, avós e netos, sobrinhos, primos, namoradas e namorados. Podia-se ir, não era perigoso. Eu fui logo morar para o Estádio das Antas, Superior Norte, porta com porta com o meu tio Zé da Bomba, que já lá morava há que anos. Consegui converter a minha mulher ao FC Porto, fi-la também sócia e passámos a ir à bola os dois, eu e ela com a cesta do merendeiro atrás, porque naquele tempo não havia lugares marcados e para jogos grandes era mesmo preciso entrar de véspera. E quando digo merendeiro quero dizer exactamente merendeiro: frango assado, sandes de vitela ou lombo de porco, panados, bolinhos de bacalhau, bacalhau frito, pataniscas, feijoada, salada russa, iscas de fígado, rojões, moelas de coelho, arroz à valenciana, filetes de pescada, salpicão, presunto e rebentos de soja, uma toalha de linho em cima dos joelhos, uma garrafosa de verde tinto bem fresquinho, ou duas, e uma garrafa de litro de cerveja, ou duas, por causa dos descontos. Entrava tudo. E marchava tudo. Para não virmos carregados para casa. Aquilo é que era futebol!
Se o FC Porto não jogava nas Antas, então eu ia ao Mar torcer pelo Leixões ou ao Bessa ver o Boavista. Aos sábados puxava pelo Salgueiros em Vidal Pinheiro que Deus tem ou matava o vício no claustrofóbico campo do Infesta, que me dava falta de ar. Às quartas, dia da minha folga do trabalho, papava campeonatos de reservas, desempates da Taça de Portugal, liguinhas de subida de divisão e torneios de apuramentos de campeões. Em Santo Tirso, em Vila do Conde, na Póvoa de Varzim, em Espinho, em Aveiro, onde calhasse aqui à roda. Havia jogo, eu estava lá. E regalava-me. Mas depois chegaram as claques "organizadas", como se diz para o crime, para a Máfia, para os ganguesteres, e eu vim-me embora.

Às vezes tenho saudades. Tenho saudades do tempo do futebol ingénuo, em estado quase puro, sem sad, sem ceo e sem administradores e consultores e assessores pornograficamente remunerados e premiados no final do ano ainda que não ganhem nada em campo, ainda que destruam a equipa de futebol e ainda que levem o clube à bancarrota. Do tempo em que os presidentes e os directores punham dinheiro do próprio bolso e ainda biscatavam graciosamente ou, como o Fernando da Sede, carregavam botijas de gás às costas até aos balneários para que nada faltasse aos seus "meninos". Do tempo em que dirigentes pagavam bifes a jogadores à rasca da vida. Do tempo dos espectadores, da massa associativa, dos adeptos, dos apaniguados, dos grupos excursionistas, das comissões de auxílio, dos grupos de apoio espontâneos, com bombos e até gigantones e cabeçudos, que não eram poucos. Era o futebol, e o futebol era uma festa! Por outro lado, a partir das claques, que são um negócio dentro do outro negócio, ser mero espectador transformou-se em actividade de risco elevado. Agora o futebol está de pernas para o ar, chama-se "o jogo" e tem transições e momentos e adn e claques profissionais pagas a peso de ouro (ou ao peso do que o receptador aceitar), claques armadas, drogadas e perigosas, talvez assassinas, ninguém é de ninguém, o Benfica ganha há cinco anos e eu sinto-me perdido. Às vezes tenho saudades - mas não torno!

P.S. - Escrevo no Tarrenego! sobre a perniciosidade das claques no futebol desde o dia 1 de Setembro de 2012.

Interlúdio fotográfico 257

Foto Hernâni Von Doellinger

Marinheiro de bancada

O meu barbeiro atacou-me à traição. Falou-me de barcos. Tínhamos uma combinação tão antiga e cómoda, de só comunicarmos um com o outro por sinais, e ele apanha-me o ponto fraco e obriga-me à conversa da boca para fora. Barcos. Nós sabíamos que tínhamos também isso em comum, os barcos, mas era como se não soubéssemos, disfarçávamos silenciosamente, numa cumplicidade camarada, coisa de velhos embarcadiços. O Sr. Fernando, que é um artista de mão cheia, foi, no seu tempo de tropa, escanhoador-mor a bordo do navio-escola Sagres; e eu, marinheiro de chuveiro, há três mil duzentos e setenta e três dias que sou contador de navios a bordo da minha varanda com vista para o mar (se me puser de lado).
Foi assim. Diz-me o meu barbeiro, sem mais nem menos, "Aquilo agora em Leixões os cruzeiros são uns atrás dos outros". Parece coisa de nada, não é?, apenas deixada no ar, mas ó palavras que me disseste! Leixões e cruzeiros. Senha e contra-senha. Ao ataque!, pensei eu mais com a língua do que com a cabeça, esquecendo-me de que queria estar calado. Esqueci-me também da bóia e afoguei-me no relambório. Que "Pois de facto são mais que as mães, só no ano passado foram oitenta e cinco" e que "Eu é que os vejo passar, estou lá em cima a tomar conta" e que "Até os fotografo" e que "Até já conheço alguns ao longe, como por exemplo o Albatroz, o Aurora, o Boudica, o Crystal Symphony, o Queen Victoria, o Marina, o Celebrity Constellation, o Costa Pacifica, o Azura que é irmão gémeo do Ventura, rasam-me aqui a porta de casa, e que "O Porto de Leixões é um sucesso, um incansável batedor de recordes que despeja milhares de turistas nas cidades de Matosinhos e Porto e milhões de toneladas de mercadorias para o país inteiro, e dei-lhe mais números, e comparei-lhe períodos homólogos, e disse mesmo "períodos homólogos", que nunca na minha vida tinha dito, e meti-lhe percentagens entre parênteses, e disse "entre parênteses", e desenhei-lhe gráficos com setas a apontarem para cima, e desabafei que "Um dia destes um filho da puta qualquer, sentado numa secretária em Lisboa, vai foder isto tudo". E foi assim que eu falei. Mas em ponto grande.
O meu barbeiro, que aqui atrasado não acreditou em mim quando eu lhe disse que não era mudo, estava o barbeiro mais feliz do mundo. Pasmado, de pente e tesoura suspensos no ar, como bailarina sevilhana pronta a tocar castanholas. O paleio ia de vento em popa. O meu barbeiro servia à pinta. Os barbeiros são óptimos a servir à pinta. Que "Sim" e que "Sim" e que "Sim" e que "Sim", "Sim senhor", "Não me diga", "Parece impossível". Falámos por mais de trinta anos de silêncio. Mas conversa sobre barcos leva longe: já íamos nos fados, vejam bem. Olhei para trás e não vi terra, a minha varanda. Tive medo e parei ali. Levantei a mão direita numa saudação índia atabalhoada, fiz "Ugh!", paguei e nadei até casa.
Porque na minha rua passa o mar...

À roda da cadeira do meu barbeiro começavam a sair os primeiros acordes de La Boda de Luis Alonso. 

P.S. - Publicado originalmente no dia 11 de Outubro de 2011, no tempo em que eu ainda ia ao barbeiro e não havia pandemia. Hoje, 25 de Junho, é Dia do Marinheiro.

Na minha rua passa o mar 81

Foto Hernâni Von Doellinger

Distância

Levava muito a sério as recomendações das autoridades sanitárias a propósito do afastamento físico. Mantinha a própria sombra a pelo menos metro e meio de distância.

Também faço isto muito bem 422

Foto Hernâni Von Doellinger

Ruy Barata 7

Tronco submerso

Tudo o que eu amei estava aqui
Do chão batido à cuia de açaí
Por isso não cantei Copacabana
Ainda que ela fosse tão bacana
No brilho dos postais que eu recebi.


Tudo que eu amei estava aqui
Da mão de milho ao pé de miriti
E assim não falei da Torre Eiffel
Dos perfumes de Chanel
Nem do céu azul do Tennessee.


Desculpe meu irmão meu canto agreste
Nutrido do jambu que não quisestes
Manchado de tijuco e de capim
Perdoa por favor meu pobre verso
Um tosco tronco submerso
No rio sem nome que se vai de mim.
 

Ruy Barata 

(Ruy Barata nasceu no dia 25 de Junho de 1920. Morreu em 1990.) 

Vida de cão 507

Foto Hernâni Von Doellinger

Os influentes

O rio Douro tem muitos e variados influentes em território nacional. Os mais importantes são os rios Côa, Sabor, Tua, Ceira, Varosa, Corgo, Ovil, Paiva, Sardoura, Tâmega, Mau, Arda, Uima e Sousa. São bastante influentes porque eles é que abastecem de água o rio Douro.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Para quem não acredita em discos voadores

Foto Hernâni Von Doellinger

Uma vez eu vi um disco voador. Vi, fotografei e publiquei - porque estas coisas são como as partes baixas, não se dizem, mostram-se! Lembro-me como se fosse no dia 14 de Janeiro de 2013. Apresentei no Tarrenego!, em exclusivo mundial, o retrato indesmentível de um opni pairando sobre o mar do Porto, do lado direito do Castelo do Queijo, com o Parque da Cidade pelas costas. Ninguém quis saber.
Semana e meia depois, o Correio da Manhã, jornal de todos os espantos e outros antiportismos, viu um ovni na América. Um ovni que, devidamente esmiuçado, não passava de "um raio resultante de um efeito luminoso" - assim explicado por especialistas. E no entanto, graças ao Correio da Manhã, o ovni americano que nunca existiu foi um sobressalto nacional. O Correio da Manhã faz tudo de uma coisa de nada. E faz nada quanto a decoro, respeito e deontologia. Deixo de fora a compaixão, que realmente não é chamada aos jornais.
O meu opni passou incógnito. Não era Cascais, era no Porto, resvés com Matosinhos, e por isso ninguém ligou. Nem as agências internacionais nem o Correio da Manhã: não metia Pinto da Costa nem suicídios semelhantes, portanto não interessava para nada. E assim desperdiçamos o pouco que vamos tendo, até o que nos cai do céu, e é por estas e por outras que este país não vai para a frente.
É o que eu digo: dá Deus ovnis a quem não tem dentes.

P.S. - Hoje, 24 de Junho, é Dia Internacional do Disco Voador. A fotografia lá de cima é fidedigna e eloquente: repare-se que o mar até descai para a direita, o que normalmente acontece no decurso destes avistamentos.

Só destes, tenho sete 136

Foto Hernâni Von Doellinger

E assim nasceu Portugal

Afonso Henriques, esse gabiru de estilo motoqueiro que gostava de vestir saias e há quem diga que batia na mãe, tinha uma espada que pesava toneladas e não cabia no guarda-vestidos e nem sequer existiu. O espadalhão. Já o jovem Afonso ficou na história da moda por ter sido o criador da maxissaia. Morava geralmente no austero Castelo de Guimarães e tinha um anexo charmoso chamado Paço dos Duques onde dava as suas festas que eram sobremaneira constadas. No dia 24 de Junho de 1128, faz hoje anos, depois de uma dessas iglantónicas farras, noitada de São João ainda por cima, Afonsinho do Condado acordou digamos maldisposto, bebeu um copo de água da mina com bicarbonato, mandou chamar o pessoal e derrotou a progenitora, Dona Teresa de Leão, mailo seu amante galego, Fernão Peres de Trava, na Batalha de São Mamede, levada a efeito ali mesmo nas redondezas.
Isto explica mais ou menos o que ouvi uma vez no Parque da Cidade do Porto. Foi apenas um momento, o tempo de nos cruzarmos, mas deu para perceber que a conversa ia animada. De mão dada com a mãe, o miúdo, de seis ou sete anos se tanto, perguntou, cheio de certeza na resposta: - Ó mãe, a Espanha já deve ter sido de Portugal, porque D. Afonso Henriques ganhou a Espanha, não é? Já não escutei o que lhe respondeu a mãe, mas deve-lhe ter dito que não, que não é bem assim. E no entanto...

Também faço isto muito bem 421

Foto Hernâni Von Doellinger

Pedro Oom 7

[Os camaradas]

Os camaradas
saíram para a rua
com os bolsos cheios de serpentinas

(o calendário
estava trocado
e de Entrudo

nicles
nem um só cabeçudo
ou máscara
até o polícia de giro
com a dignidade sui generis
dos pequenos autocratas
participou na patuscada
depois do jogo
- o Benfica foi eliminado)

Os camaradas
compraram fatos novos
nos alfaiates dernier-cri
e botaram as serpentinas
no lixo
para não deformar
os bolsos (novos).


Pedro Oom

(Pedro Oom nasceu no dia 24 de Junho de 1926. Morreu em 1974.)

Caminho 815

Foto Hernâni Von Doellinger

José Luis Sucasas 4

A confesión do criado Ensión

[...] 
Agora o home semellaba un chisco enrabechado. Quixen quitarlle ferro á conversa. "Tampouco hai que darlle moita importancia... total a historia non deixa de ser un subxénero da literatura", díxenlle. Engurrou o cello e permaneceu calado, mirándome o fondo dos ollos. Despois dixo: "Ah! Xa vexo... ti es un deses..." Fixo unha pausa e volveu falar. "Pois vouche contar... viviamos daquela tempos impuros e revoltos... escándalos monásticos, esposas abandonadas e saias con sotanas mesturadas. Corría o ruxerruxe de que o bispo Dolfo quería chapodar os abusos e restablecer a disciplina eclesiástica, aínda que para conseguilo tivera que empregar man dura; pero tal decisión non gustou nada a cantos vivían en tales vicios e algazaras. Así pois, unha fría tarde de inverno, o meu compañeiro Cadón e eu mesmo, Ensión, recibimos a visita de varios clérigos rebeldes, que moi desgustados coa intromisión del bispo compostelán, pedíronnos que perante o rei de Asturias debiamos acusar ao bispo de conspirar contra o seu reinado e de andar en acordos cos mouros para entregarlles as terras galegas... e así o fixemos, porque tampouco nos queriamos ver minguados os nosos privilexios. Isto foi o que pasou. E lembra que eu si estiven alí... outro día igual che falo do milagre dos cornos." 
[...]

José Luis Sucasas, em Praza Pública

(José Luis Sucasas nasceu no dia 24 de Junho de 1959. Morreu em 2017.)

Offshore, se fashavore 256

Foto Hernâni Von Doellinger

Oportunidade

Não perca a morte. Ela vem só uma vez.

terça-feira, 23 de junho de 2020

O São João, ó dlindlindlim

Foto Hernâni Von Doellinger

O azar do nosso São João, o Baptista, é não ter sido o outro, o Evangelista. O nosso São João era um bocado esquisito mas muito homem: profeta ambulante, vestia-se de peles de camelo, usava um cinto de couro, comia gafanhotos e mel e convivia muito bem com cabritinhos e cabritinhas. Clamava no deserto. Um deserto que inopinadamente tinha um rio chamado Jordão como o cinema de Guimarães, e foi ali mesmo, no rio que não no cinema, que João, o nosso, inventou o baptismo e baptizou o primo Jesus. O nosso São João era a Ana Gomes daquele tempo. Punha a boca no trombone sem pauta nem contenção e isso haveria de custar-lhe a cabeça, ainda nem chegara aos trinta anos. Os amigos do Baptista tinham uma certa vergonha dele e muito gosto na própria cabeça, e por isso deram-lhe o nome de código de O Precursor, para que não se soubesse de quem falavam quando falavam. Hoje em dia, o analfabetismo instalado chama-lhe O Percursor.
O São João que não é nosso, o Evangelista, era mais manso e teve uma vida flauteada. Morreu velho e de morte natural. Filho de Zebedeu, irmão de Tiago Maior e eventualmente sócio de André e Pedro no negócio das pescas, seria o mais novo dos doze apóstolos do Nazareno, segundo consta. De pescador quiçá analfabeto, fez-se teólogo e escritor. De evangelho e epístolas, apocalíptico então. Discípulo dilecto, João, o que não é nosso, era aquele a quem Jesus amava, o que se lhe aninhou no peito durante a Última Ceia, está nos retratos. O assunto continua a prestar-se, ainda hoje, às mais diversas e variadas.

No meu tempo de Fafe, quanto a santos populares, o São João era um hospital muito grande no Porto, felizmente com a camioneta da João Carlos Soares a passar-lhe à porta. Tínhamos, isso sim, o Santo António da minha rua, o São Pedro da Recta e creio que ainda frequentei o São Pedro da Granja. Quanto ao resto, deixe estar, que está bem.
O mais que se sabia do São João eram uns versinhos muito antigos que certamente pertencem ao cancioneiro fafense e era de norma cantar à mesa na noite de passagem de ano, quando já estavam todos mais para lá do que para cá. Assim fazíamos na nossa família. Insisto, para quem não é de Fafe: fafense deve ler-se e dizer-se fafénsse. E os versinhos contavam assim:

O São João, ó dlindlindlim,
tem um carneiro, ó dlandlandlam,
com dois guizos no pescoço.
E quando toca, ó dlindlindlim,
o guizo fino, ó dlandlandlam,
também toca o guizo grosso.

Music was my first love 64

Foto Hernâni Von Doellinger

O intolerante

Era realmente uma pessoa com um feitio difícil. Tinha um problema com o álcool. E outro com o betadine.

Também faço isto muito bem 420

Foto Hernâni Von Doellinger

Microcontos & outras miudezas 213

De vela
Acendeu a vela cheio de devoção e arrependeu-se mal ela ardeu completamente. O barco era sem motor e ele tinha-se esquecido dos remos.

Os oceanos são cinco, todos ao dobrar da esquina
Os oceanos são cinco: Atlântico, Pacífico, Índico, Glacial Árctico e Glacial Antárctico ou Austral. E têm um restaurante aqui ao virar da esquina e com garagem "Reservada a clientes" ao lado da minha porta. O restaurante chama-se muito apropriadamente Restaurante 5 Oceanos. Que se segue: aqui atrasado foi Dia Mundial dos Oceanos, e é o que se me oferece dizer.

O anormal do novo normal
Entro na padaria por quinze segundos. Sou atendido imediatamente, levo dinheiro certo, não preciso de falar e até faço apneia. Quinze segundos. Mas sou obrigado a usar máscara. Ao meu lado, atrás de mim, grupos organizados de senhoras desocupadas e alcoviteiras ocupam as mesas da padaria durante manhãs inteiras ou tardes inteiras ou manhãs e tardes inteiras, falam, gritam, riem, engasgam-se, tossem, pigarreiam, espirram e assoam-se, distribuindo generosos perdigotos pelas redondezas. Mas não usam máscara. Alguém me sabe explicar?...

O anormal do novo normal 2
Chega à porta do café e coloca a máscara. Entra. Senta-se na mesa do café e retira a máscara. E faz bem: é a norma. A máscara é apenas o bilhete de entrada no estabelecimento. Alguém me sabe explicar?...

O optimista
É uma loja de mobiliário desnecessário e outras inutilidades. Colado à porta panorâmica, o aviso de lei indica que, "devido à situação causada pelo covid-19, só será permitida a permanência de três pessoas no interior do estabecimento". E tem piada. Porque eu nunca vi ninguém lá dentro. Nem clientes, nem empregados, nem o proprietário, que passa as horas de expediente a dar água sem caneco no café da esquina.

E assim sucessivamente

Foto Hernâni Von Doellinger

O luto continua

Todas as noites dava o corpo ao Manifesto. Manifesto morreu, e ela nunca mais.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

A extraordinária Ponte da Arrábida 11

Foto Hernâni Von Doellinger

Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Acrescento o meu modesto e atrevido contributo fotográfico. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 10

Foto Hernâni Von Doellinger

Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Acrescento o meu modesto e atrevido contributo fotográfico. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 9

Foto Hernâni Von Doellinger

Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Acrescento o meu modesto e atrevido contributo fotográfico. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 8

Foto Hernâni Von Doellinger

Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Acrescento o meu modesto e atrevido contributo fotográfico. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 7

Foto Hernâni Von Doellinger
Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Acrescento, a partir de aqui, o meu modesto e atrevido contributo fotográfico. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 6


Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 5


Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 4


Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 3


Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida 2


Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

A extraordinária Ponte da Arrábida


Tenho cá em casa meia dúzia de cópias de fotografias da construção da Ponte da Arrábida, sobre o rio Douro, no Porto. Publiquei-as originalmente durante o mês de Dezembro de 2012. "Trouxe-as" de O Primeiro de Janeiro antes daquilo tudo ir para o galheiro. São fotos históricas e extraordinárias, quase tão extraordinárias quanto a visionária obra de Edgar Cardoso, que então ergueu o maior arco em betão armado do mundo. Inaugurada no dia 22 de Junho de 1963, a Ponte da Arrábida faz hoje 57 anos.

In american way 12

Foto Hernâni Von Doellinger

O optimista

É uma loja de mobiliário desnecessário e outras inutilidades. Colado à porta panorâmica, o aviso de lei indica que, "devido à situação causada pela covid-19, só será permitida a permanência de três pessoas no interior do estabecimento". E tem piada. Porque eu nunca vi ninguém lá dentro. Nem clientes, nem empregados, nem o proprietário, que passa as horas de expediente a dar água sem caneco no café da esquina.

O novo normal 12

Foto Hernâni Von Doellinger