sábado, 29 de fevereiro de 2020

Tenho um melro na minha rua

A minha rua adoptiva, em Matosinhos-sur-Mer, é território de gatos e gaivotas. De umas pombas, vá lá, de uns pardejos lingrinhas e de uns cães abundantemente cagões e felizmente sem asas. Mas sobretudo, e historicamente, a minha rua é território de gatos e gaivotas, que vêm ao cheiro da comida que a minha vizinha lhes manda da varanda, besuntando de espinhas, patas de frango, gorduras várias e nojo a estrada e o passeio, mesmo por baixo do meu nariz. (Na minha rua passa bissextamente a procissão do Senhor de Matosinhos e estabeleceu-se há uns meses, colado aqui a casa, o Núcleo do Sporting - exigia-se portanto outro asseio.) A minha vizinha foi quem chamou as gaivotas, mas agora enxota-as a baldes de água fria, porque, não sei se mudou de religião, só quer conversa com os gatos.
Ora bem: há trinta anos que moro na minha rua e foram precisos trinta anos para que me aparecesse na rua um melro. Sim, um melro efectivamente, e apresenta-se todas as manhãs. Melro cantor que dá gosto, e lambão benza-o Deus, também vai à marmita dos gatos, um destes dias desaparece corrido a encharcado pela minha vizinha, se tiver a sorte de não ser cozinhado para alimentar os bichanos.
E eu, perante isto? Eu gostei muito que o melro tivesse dado com a minha rua e com a frente da minha casa. Grande melro! É porreiro, porque assim já somos dois...

P.S. - Texto publicado em Fevereiro de 2017. Entretanto o Sporting desamparou-me a loja e foi não sei para onde, se é que foi. Tenho pena. O melro da minha rua, o meu melro, cantava sem parar o hino do FC Porto. E juro que não fui eu. Os melros, é o que têm, já nascem ensinados.

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