sábado, 15 de fevereiro de 2020

Dos tomates e do decoro. E vice-versa.

Foto Hernâni Von Doellinger

Está na rua uma campanha publicitária ao tomate pelado Guloso. Uma desnecessidade para mim, que na cozinha sou utilizador habitual, para não dizer compulsivo, deste produto. Ora bem: há coisa de dois anos o tomate pelado Guloso, como quem diz o tomate nudista, começou a aparecer-me cá em casa vestido, isto é, com pele. Seria pudor? Como já aqui contei, aproveitei a última década para passar de bovino come e cala a guerrilheiro da reclamação, e não me tenho dado mal. Dei-me até muito bem num gramático protesto a propósito de uma alheira de caça à qual faltava a cedilha, como também aqui detalhei.
Que se segue: resolvi contactar o próprio Sr. Guloso, perguntando-lhe, preocupado e mais respeitosamente era impossível, se por acaso não estaria o Excelentíssimo passando por alguma crise de escrotal decoro (há que chamar as coisas, neste caso os coisos, pelo nome), e aproveitei para me queixar do cada vez maior verdor e da cada vez maior acidez do produto em questão. O tomate pelado, não esqueçamos.
O meu e-mail teve resposta em quinze dias. Uma resposta profissional, simpática e, pareceu-me descortiná-la, com uma pitada de ironia no estrugido, que foi o que melhor me soube. Fui informado de que os tomates de que eu reclamava tinham sido produzidos "na campanha de 2017, que, por condições extremas do tempo (chuvas em final de Abril e Maio), se traduziu em tomate mais ácido, com menos cor e que se separa da pele com mais dificuldade."
Como forma de "atenuar a imagem menos positiva" que em mim lamentavelmente provocara, o Sr. Guloso revelou a intenção de enviar-me "um cabaz de produtos da marca, incluindo pelado da campanha de 2018, na expetativa de" me "fazer chegar um tomate pelado mais condizente com o nome". Obviamente agradeci e recusei a oferta, hábito antigo do velho ofício.
Agora. Estamos no ano de 2020. O tomate pelado Guloso continua a chegar-me a casa com pele, verde e ácido, rigorosamente como o da famigerada e defeituosa colheita de 2017. Conclusão, das duas uma: em Portugal os anos são todos de "condições extremas do tempo (chuvas em final de Abril e Maio)", pelo menos para os tomates, ou então há três anos que todos os anos são 2017. O que é lamentável e vice-versa.

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