sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Aos bons velhos tempos 2

Foto Hernâni Von Doellinger

Aljubarrota também escreveu alguns parágrafos, posto que modestos, envolvendo ingleses e o Porto. Aqui desembarcaram, possivelmente em 1385, cento e cinquenta homens-de-armas, arqueiros e outros peões enviados pelo rei de Inglaterra para apoiarem o nosso D. João I e a sua causa. Esta ajuda viria a tornar-se decisiva no bom desfecho da decisiva batalha contra os castelhanos.
Aos ingleses tornamos a encontrá-los - dominantes como nunca, respeitados na praça e senhores do negócio do vinho do Porto - no meio do século passado. Júlio Dinis conta-os em "Uma Família Inglesa", benquistos, obsequiados, fleumáticos e genuínos, no protótipo de Mr. Richard Whitestone. Ramalho Ortigão explica-os ditadores da moda e dos modos, contagiando hábitos, usos e costumes, associando o bom gosto à comodidade. So british! O tom e o ar são rapidamente copiados pelos portuenses contemporâneos, que "cultivam esmeradamente a suíça, a gravata espalhafatosa, o fraque curto, a bota grossa e o chapéu de chuva."
De dia entregavam-se ao trato comercial, que então abarcava já as madeiras e o bacalhau, mostravam-se pela Rua Nova (dos Ingleses), recolhendo ao fim da tarde ao lar, primeiro para os lados do Campo Alegre, depois para a Foz e mais tarde para Leça, em Matosinhos, e Miramar, em Gaia. Regressavam à Baixa do Porto, em sendo caso, para os bailes ou para o teatro, e os mais boémios marcavam encontro na Águia de Ouro, reputada casa de pasto.
Mudados de armas e bagagens, instalados definitivamente na Invicta, o sucesso dos ingleses nos negócios impô-los à cidade, conquanto nos privados dos seus five o'clock tea e parties preservassem a, por assim dizer, assumida superioridade de uma colónia como valores únicos, fechada aos perigos da aculturação. Por isso edificaram as suas fortalezas: a sua escola, o seu hospital, a sua igreja, a sua feitoria, os seus clubes.

P.S. - Segunda parte de um trabalho que escrevi para a edição de Junho de 1992 da revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Lembrei-me dele a propósito de uma recente reportagem do jornalista David Mandim no DN Life. 

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