terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Desprotecção civil

Quando o SIRESP vinha de motorizada
O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso: dominados. É uma questão de orgulho macho. E então arrebitam e continuam a arder lampeiramente uma semana depois de terem sido decretados dominados aos microfones da CMTV, e a CMTV fica toda contente, porque a CMTV é do ramo do sarrabulho e do fumeiro - disso vive, em lume brando. Os oficiais da Protecção Civil, doutores da mula ruça porém pessoas muito honradas e de boina, que antes deste rico emprego nunca tinham posto os pés num incêndio, tiraram um curso relâmpago de Teatro de Operações, Forças no Terreno, Frentes Activas, Meios Aéreos & Pontos de Ignição e gostam de dar na televisão: o mais que dizem é que os incêndios de manhã, se não estão já dominados, vão entregar-se às autoridades a meio da tarde. Os oficiais da Protecção Civil e os políticos que os pariram inventaram um novo dicionário, especializaram-se em semântica, graduaram-se em eufemística e falam muito do que sabem nada...
Os bombeiros estão lá no centro do vulcão a derreter, mas a eles agora ninguém lhes pode perguntar. E ainda bem, porque lá dentro faz muito calor e o calor dilata os copos. O senhor da boina no camião de Fórmula 1 com ar condicionado é que sabe, e bebe águas das pedras. Geladas. E há briefings bidiários com groselha.

Quando o monte ardia, os bombeiros iam. Os bombeiros voluntários. Naquele tempo ninguém sequer sonhava ganhar dinheiro por fazer de conta que apaga incêndios - eram uns tolos. Não havia rede, satélites, parabólicas ou fibra óptica, ainda não havia radiotelefones ao serviço, os telemóveis ainda não tinham sido inventados e nem sequer havia cabinas telefónicas nos montes. Parece impossível, mas lá em cima, no meio da penedia e das giestas, no Portugal das cabras e dos cabrões, não havia telefone de espécie nenhuma. E não havia SIRESP, graças a Deus. Que se segue: se eram precisos reforços, alguém vinha de motorizada dar o recado ao quartel...

O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso: dominados. Freud explicaria muito melhor do que eu, mas eu, de momento, não tenho o Freud aqui à mão e, com isto do desemprego, perdi-lhe o número do telemóvel. Por outro lado, os incêndios estão desgostosos por lhes terem trocado o nome e mudado o objecto social. Objecto social, sim: o fogo é hoje em dia um negócio como outro qualquer - como a guerra, como a droga ou como a cirurgia plástica, por exemplo -, com múltiplas plataformas de exploração e sinergias que não param de exponenciar-se, a jusante e a montante, um extraordinário negócio que distribui transversalmente milhões e milhões e milhões de euros ou dólares consoante o paraíso, uma indústria em que todos ganham e em que apenas Portugal e os portugueses do rés-do-chão ficamos a perder.

Chamavam-se fogos antigamente e eram para apagar. Exactamente, fogos. E para apagar. Velhos tempos, coisas simples: Portugal ardia menos e não havia tanto teatro... de operações.

P.S. - Minúsculo esclarecimento, provavelmente desnecessário: Teatro de Operações, vulgo TO.

(7 de Agosto de 2016)


E cá vamos morrendo, graças a Deus
Ninguém diga que está livre. Mas. Em Portugal não precisamos do terrorismo alheio para nos refodermos com assinável pertinácia: temos os incêndios, temos árvores carunchosas, temos andores idiotas e temos a Autoridade Nacional de Protecção Civil. E cá vamos morrendo, graças a Deus, que também não somos menos do que os estrangeiros.

P.S. - Temos também, evidentemente, as selfies com o Presidente da República. 

(19 de Agosto de 2017)


Combustão espontânea e... organizada
Os incêndios por combustão espontânea acontecem, mas, ao contrário do que o próprio nome indica, às vezes dão algum trabalho a organizar. Lembram-se ou já ouviram falar das populares manifestações espontâneas de apoio ao Senhor Presidente do Conselho no tempo de Salazar? Manifestações espontâneas, exactamente. Imaginam o que esse teatro a preto e branco implicava de preparação e logística, de aluguer de camionetas e distribuição de letreiros a bem da Nação, de farnéis e garrafões de vinho a encomendar, de reuniões nos grémios e nas corporações, de noites sem dormir por parte de presidentes de junta, regedores, párocos fascistas, presidentes de câmara, governadores civis, comandantes locais da Legião Portuguesa e dos Bombeiros, chefes da Polícia e sargentos da Guarda, bufos da Pide, patrões da indústria e caciques de outras marcas?...
Pois com os incêndios é o mesmo. Para que aconteçam espontaneamente, e acontecem, é regra geral preciso que alguém acenda um fósforo. Há coisa de duas semanas fomos dar uma voltinha de mata-saudades pelo Alto Minho. De Esposende para cima, passámos por queimada atrás de queimada com ninguém à volta e à vista. Eu abro a janela, porque gosto daquele cheirinho a Natal antecipado, mas a minha mulher ficou aflita, disse-me que ainda não estávamos na época, que aquilo era ilegal e perigoso, muito perigoso. E se calhar a minha mulher tinha razão... 

(17 de Outubro de 2017)


Francisco George e o jovem Mourato Nunes
O extraordinário director-geral da Saúde Francisco George foi reformado há quinze dias porque fez 70 anos, o velhote. A Dra. Graça Freitas que o substitui de momento e que me perdoe, mas estávamos tão bem servidos...
Por outro lado: o tenente-general Mourato Nunes, antigo comandante-geral da GNR, foi hoje anunciado como novo presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil. O jovem Mourato Nunes fez 71 anos em Abril e está aí para as curvas...
Eu não posso, porque sou uma pessoa educada, mas alguém havia de mandar foder quem faz pouco de nós assim...

(5 de Novembro de 2017)

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