domingo, 16 de setembro de 2018

Estava a guardar-se para a vitela...

Os domingos tinham esse pequeno problema, e quem for de Fafe e antigo sabe do que falo: tripas ou vitela assada? Era a verdadeira questão, o dilema do almoço dominical. Os fafenses, gente de bom comer e satisfatório beber, resolveram facilmente o assunto, há muito, muito tempo: isto é, em vez de tripas "ou" vitela assada, o almocinho de domingo passou a ser tripas "e" vitela assada. Nem Salomão, no seu ancestral e sábio critério, tomaria decisão mais acertada.
A vitelinha guiava-se em casa, com vagar e carinho, com as voltinhas todas, e as tripas, regra geral, iam-se buscar num tachinho à Esquiça ou à Pacata, consoante a ideia que cada um tinha acerca da sua própria posição social.
Começava-se portanto pelas tripas, e a seguir vinha a vitela. O apetite era gerido ao milímetro, mais ou menos um bocadinho daquelas, mais ou menos um bocadinho desta - porque, como determina o princípio da impenetrabilidade da matéria, dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, e as vacas é que têm felizmente quatro estômagos. Ora bem: a malta nova, pouco dada à tripalhada, reservava-se para a chicha com batatinha de ouro e arroz de forno. Mas de quando em quando reservava-se mal. Como daquela vez em que o nosso Zé não tocou no feijão. Perguntaram-lhe se estava doente, se tinha fastio, se queria um caldinho branco, se queria meter o termómetro. Que não, que não, que não e que não, respondeu respectivamente, e explicou todo gaiteiro: - Estou a guardar-me para a vitela!
Naquele domingo não havia vitela. E as tripas já tinham saído da mesa...

Moral da história: contar com a vitela no cu da galinha, por assim dizer, e com licença de vossências, pode ser uma merda.

(Onde escrevi "tripas" e "vitela assada", deve falar-se "tripasss" e "bitela assada". À moda de Fafe. A vitela assada à moda de Fafe, quando bem feita, é provavelmente a melhor vitela assada do mundo. A confraria da dita não veio ajudar nada, antes pelo contrário, mas veste muito bem.)

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