domingo, 6 de maio de 2018

Vai chamar mãe a outra!...

- Tcharam! Feliz Dia da Mãe!... (apitos, confetes e serpentinas)
- Boa noite.
- É dia, mãe. Dia da Mãe, mãe! Parabéns!
- Igualmente. Você quem é?
- Eu? Então não sabe quem eu sou, mãe?
- Sei.
- Quem é que eu sou, mãe?
- Não sei.
- Sou o seu filho, mãe!
- Que horas são?
- Sou o seu filho, mãe. Lembra-se? O Tó! Tó!!
- Totó?
- O Tó, mãe, o seu filho...
- Eu não tenho filhos...
- Tem, mãe. Eu sou o Tó!
- Tó?
- António, mãe. António!
- O meu filho chamava-se António.
- Sou eu, mãe. Sou o António...
- Que horas são?
- E esta é a Lu, mãe, a minha mulher, a sua nora.
- Agora vou dormir.
- Olhe para a sua nora, porra! É todos os anos a mesma merda, mãe...
- Que horas são?
- Ó mãe, olhe para os seus netos, caralho! Ó Bi, dá o desenho à bó.
- Boa noite.
- É dia, mãe, são onze da manhã.
- Onde é que eu estou?
- Está no lar, mãe.
- Em casa?
- No seu lar, mãe. Já lhe expliquei mil vezes que eu e a Lu não podemos, temos a nossa vida, e a vida é assim. Mas este lar é bom. Custa-nos a sua reforma quase toda, mas é muito bom...
- És o António?
- Sou, mãe. Sou o António.
- Chama o teu pai, que eu preciso de urinar.
- A pai já morreu, mãe. Quantas vezes já lhe disse? O pai morreu...
- Quero ir para casa.
- A mãe está aqui muito bem, não está, Lu?

(ouve-se um soluço)

- Está a chorar porquê, mãe?
- O pai morreu...
- Foi há vinte anos, mãe. Há vinte anos que não saímos disto, sempre a mesma choradeira. Deixe lá o pai em paz. Hoje é Dia da Mãe...
- O pai morreu...
- Nunca se pode falar consigo, mãe.
- Boa noite.
- Estraga sempre o ambiente, mãe.
- Que horas são?
- Olhe, nós vamos embora, mãe. Eu e a Lu temos mais que fazer e os meninos precisam de apanhar ar. Para o ano voltamos cá, se Deus quiser, mas agora vamos, mãe...
- Ide, ide, meus filhos. Da puta. Ide chamar mãe a outra... (cai o pano)

P.S. - Escrevi este texto para um Dia do Pai. Mas a vida é mesmo assim, não é?...

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