sábado, 5 de agosto de 2017

Cyro Martins 2

A tarde desse dia, nos campos, caiu serena, sem um frêmito. O sol descambava devagar, refletindo-se nas sanguinhas cheias, cantantes, irisando as espumas de sapo, reluzindo nos capinzais crescidos, nos fios de aramado, na chapa das lagoas. Pendia sobre a campanha uma claridade tênue de céu lavado. Os animais saíam para os altos a sorver o frescor das passagens úmidas. Perdizes assobiavam contentes entre as moitas, bandos de avestruzes vagavam, catando bichinho à flor da terra.
Longe de Boa Ventura, lá no fundo duma estância, numa invernada de dez quadras de sesmaria, lotada de bois, defrontavam-se três taperas: a do Bentinho, a do João Guedes e a da Gertrudes. Sobravam algumas árvores, algumas pedras e os sinais de moradia humana no chão. Nada mais. Os bois gostavam de lamber aquela terra.
Aquilo agora era um rincão despovoado. Não se avistava um vulto de campeiro, não se ouvia um latido de cachorro numa porta de toca, não tremulava um pala endomingado, não chiava uma carreta, os arados não rompiam a terra.
Mas, que engorde dava aquela invernada! Para um fim de safra, então, já com caídas para o inverno, não havia campo que se lhe igualasse. Seiscentos novilhos pastavam folgadamente entre as altas cercas de sete fios e madeirama de lei que a tapavam.
O sol entrou sem grandes esplendores. A noitinha caiu suavemente.
Que paz naqueles campos!


"Porteira Fechada", Cyro Martins

(Cyro Martins nasceu no dia 5 de Agosto de 1908. Morreu em 1995.)

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