quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Manuel Mendes

Passagem de nível

A tarde caía. No céu cinzento e triste recortavam-se a negro os troncos secos das árvores, onde se notavam apenas os finos rebentos das folhas de um verde delicado e viçoso. Pela terra em volta crescia quase imperceptivelmente uma penugem de fresca erva miúda, cobrindo os montes de um tapete aveludado. E apesar do dia chuvoso, do vento constante, da luz parda da tarde, apesar do céu enevoado e escuro, alguma coisa de doce prometia e anunciava a Primavera. Sobretudo nas árvores negras da fuligem do tempo, nuas e dolorosamente torcidas, aqueles rebentos de verdura eram já um sinal de esperança, uma sensação antecipada de alívio para os olhos cansados de tanto negrume e tanta sombra. Dir-se-ia o abrir ainda vago de um sorriso, e, ao mesmo tempo, o prenúncio dos bons dias longos e luminosos, de atmosfera limpa, a promessa de um céu mais confiante.
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"Estrada", Manuel Mendes

(Manuel Mendes nasceu no dia 18 de Janeiro de 1906. Morreu em 1969.)

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