quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Nestor de Holanda 2

Mendigos

O mais honesto pedinte que encontrei estava, uma noite, na Cinelândia. Ele se aproximou cambaleante de nosso grupo - eu, Jaime Costa, Frazão, Delorges Caminha, Silva Filho, André Villon, Fernando Costa, Armando Rosas, Arlindo Costa, Santos Garcia e outros - e pediu:
- Dai uma esmola a um pobre bêbedo, pelo amor de Deus!... Outro, igualmente sincero, foi visto pelo governador Eraldo Gueiros, recentemente, no interior de Pernambuco. Havia muitos anos que o mendigo posava de cego, nas feiras. Um dia surgiu de aleijado. Perguntaram-lhe:
- Desistiu de ser cego, Zé?
- Desisti.
- Por quê?
- Porque me passavam muito dinheiro falso...
O comum dos que pedem na via pública, porém, é a insinceridade. Quando Joraci Camargo escreveu Deus lhe Pague, com o falso mendigo, filósofo e milionário, discutiram a realidade do tema. Entretanto, nada mais verosímil. Hoje, no Rio de Janeiro, a mendicância é comércio dos mais rendosos...
Ainda há dias, um motorista de praça me contou a história de uma dona que, todas as manhãs, vem para a cidade de táxi. Num quarto que alugou, veste o "uniforme de trabalho". Pede esmola até à noite, e, depois de tornar a meter o paisano, toma outro táxi para regressar a casa. Ganha, em média, 100 cruzeiros por dia. Trabalhando cinco dias por semana (porque ela faz semana-inglesa...), fatura cerca de 2 mil cruzeiros por mês. Quase 12 salários mínimos...
Muitas alugam crianças e surgem, ante a caridade pública, caracterizadas de mãe infeliz. Há um mendigo na cidade, segundo me informaram, que mantém amante de luxo, em apartamento da Zona Sul, tal qual o personagem que Procópio criou, na famosa comédia de Joraci Camargo. E é fato corriqueiro a polícia descobrir que muitos têm conta no banco e são até proprietários de imóveis...
Por essas e outras, vi (e contei aqui) quando um pedinte, logo cedo, estendia o jornal velho num canto de calçada, perto do edifício do Ministério da Fazenda, para instalar-se. E um popular que passava:
- Está abrindo seu banquinho, hein?!...
Enfim, os fatos mostram que a situação está de tal maneira que não se pode confiar nos mendigos, porque, como o uísque, nunca se sabe quando são legítimos ou falsificados... 

Nestor de Holanda 

(Nestor de Holanda nasceu no dia 1 de Dezembro de 1921. Morreu em 1970.)

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