domingo, 13 de novembro de 2016

E as gaivotas, como está a correr o extermínio?

Foto Hernâni Von Doellinger

Como sabem (sei que não sabem, mas podiam saber, se quisessem), as câmaras do Porto, de Matosinhos e de Gaia emitiram uma fátua contra as gaivotas, apelando ao seu (das gaivotas) extermínio. Foi na Páscoa do ano passado. Para lhes tirar a tosse (às gaivotas), anunciava-se, mais civilizadamente era impossível, a proibição de alimentar as aves, a colocação de pinos em edifícios e a mobilização de falcões para a frente de batalha do rio Douro.
Duas das medidas a aplicar pelo Porto - que, entre Gaia e Matosinhos, é sempre o paradigma - seriam então, segundo li, "a georreferenciação de pedidos de intervenção relacionados com gaivotas para estabelecer um plano de controlo do sucesso das medidas preventivas e a realização de acções de sensibilização quando se identificam situações irregulares de alimentação dos animais com entrega de brochuras". Nunca percebi o que este palavreado queria dizer, mas gosto muito da "georreferenciação", e gosto sobretudo de "brochuras". Por outro lado, esta merda cheira-me a Eichmann...
Não sei se a Protectora, a Quercus, o PAN e os pans mais pequeninos tomaram posição sobre o assunto. Se tomaram, talvez tenha sido: devemos amar e respeitar os animais, se forem muitos (e mesmo animais) é que não. Que se lixem as gaivotas de uma forma geral e os garranos de Paredes de Coura em particular, salvemos os gatos lambe-cricas, o lince da Malcata e os cães zicos, choremos os simbas, lutemos pelo lagarto de água de Gaia, dignifiquemos as pegas se forem pássaros, e sobretudo morramos pelos toiros de lide.
Orwell já tinha avisado: todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros e as gaivotas ainda vêm a seguir.
É público e às vezes notório que eu tenho duas gaivotas. Era uma mas agora são duas, tal qual os amores do Marco Paulo eram dois. Um destes dias a minha mulher põe-me fora de casa por causa das gaivotas, que me cagam generosamente a varanda e enxovalham a roupa a secar. Mas a verdade é esta: apesar de cagonas, eu quero-as; e a minha mulher enxota-as. Serão ciúmes? É preciso que se note que as minhas são as duas mais belas gaivotas do mundo - vejam só o retrato lá em cima. Eu, por mim, ficava com elas...
Aos puristas escandaliza-os certamente a minha preferência pelas gaivotas em desfavor, por exemplo, dos toiros. Mas, valha-me Deus, imaginem dois toiros - ou, vá lá, uma toira e um toiro - a voarem-me por cima da varanda e a cagarem-me a roupa do estendal, e esforcem-se um bocadinho para tentarem perceber se eu tenho ou não tenho razão...

Não sei em que ponto vai a matança das gaivotas, se corre bem ou se corre mal. Os presidentes de câmara que tiveram a tão luminosa ideia são os que ainda estão lá - Rui Moreira, Guilherme Pinto e Eduardo Vítor Rodrigues -, mas parece que nunca prestaram contas sobre o assunto. Eu conto-as todos os dias, e posso garantir que, pelo menos aqui em Matosinhos, as gaivotas estão a ganhar...

Não é para me gabar, mas gaivotas é comigo. Estou agora a escrever e estou a ouvi-las, a vê-las à minha frente, do lado de lá da janela. Eu e as gaivotas somos inseparáveis, cúmplices, somos um para as outras. Fui o primeiro a alertar para os perigos que corre o extraordinário gaivotal da Riguinha e Carcavelos, orgulho e emblema da Praia de Matosinhos. As gaivotas interessam-me. Cagam-me em cima, é certo, mas muito menos do que o Paulo Portas e o Passos Coelho me cagaram em cima, e eu não os conhecia de lado nenhum e não me interessavam para nada. Gaivotalmente falando, levo já mais de 25 anos de trabalho no terreno, eu e elas, evidentemente contra a vontade da minha mulher, por causa da limpeza da varanda. Estou portanto em condições de afirmar, sem temer desmentidos, que sei de gaivotas como se fosse gaivoto. Houvesse um presidente da república das gaivotas, como já houve das cagarras, e seria eu.
Ora bem. Outro especialista, mas este da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, afirmava aqui atrasado que as gaivotas andam a mudar-se do mar para a cidade. Pois andam. O caro colega afiança também que o "fenómeno" começou exactamente há dez anos, mas que, atenção, está a aumentar com "o calor elevado que se faz sentir neste momento".
Não sei se o "fenómeno" começou mesmo há dez anos - não os contei, não sei sequer se o "fenómeno" é fenómeno realmente, mas afirmar que as vagas de calor puxam as gaivotas ainda mais para terra é ciência de atirar à sorte a ver se acerta. E não acertou. Ou então as gaivotas de Matosinhos são umas desalinhadas, só para chatear.
Explico. Hoje havia um nevoeirinho manso ali na praia, uma brisazinha de norte passava aqui pela rua como quem não quer a coisa, e elas aí andavam, as minhas gaivotas, nos telhados, na varanda, conversadeiras e cagonas, aproveitando a fresca como eu. Mas nos dias de brasa de Julho, Agosto e Setembro, não. Pelo contrário. A canícula devolveu-as ao mar e estragou a teoria de sofá do ilustre ecologista. Quem as quisesse ver, era na água, bandos imensos, uns cem metros para dentro da linha de rebentação. Porque não são parvas. É. Já escrevi e repito: as gaivotas têm merda na barriga, não na cabeça.

2 comentários:

  1. Bom dia Hernâni. é sabido que as gaivotas têm um intestino muito generoso, eu que o diga. Mas por outro lado a sua beleza e altivez fazem esquecer tudo o mais. Estas então, fizeram questão de ir ao instituto de beleza para te visitarem.

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