terça-feira, 1 de novembro de 2016

Campos de Carvalho 3

Mas eu dizia, se não estou equivocado, que, finda a guerra sino-finlandesa, fui preso como espião moscovita por causa de minhas barbas patriarcais e malcheirosas, e fui submetido a um conselho de guerra composto de 15.000 generais, todos eles fardados, que me absolveram unanimemente e me repatriaram ao meu país de origem. Qual esse país fosse, nem eles nem eu sabíamos, de forma que voltei tranquilamente a dormir sob as pontes de diversos rios da Europa, os quais eu já conhecia de vista através das aulas de Geografia que me dava o meu professor de ginásio, ao tempo em que eu ainda teimava em aprender as coisas. Dniester, Reno, Vístula, Guadalquivir, Elba, Nitra, Ródano, etc., etc., são nomes que se tornaram familiares aos meus ouvidos de tanto eu ouvi-los murmurar eles mesmos, e não pobres mestres-escolas diante de ensebados mapas grudados à parede: a sua cantilena por muito tempo substituiu o doce acalento de minha mãe na pátria desconhecida, que de resto nunca cheguei a conhecer, pois nunca fui criança.
Foi por essa época que aprendi a tocar berimbau com um professor do Conservatório de Varsóvia, herr Hepsteimm, e quando também resolvi fazer a minha primeira comunhão, por absoluto estado de fome. Desse aprendizado resultou-me a oportunidade de vir a ser mais tarde nomeado conselheiro musical na corte de Luís II da Baviera, o mesmo que tinha vários castelos assombrados e era dado a práticas de ocultismo, às quais aliás eu não era de todo alheio.

"A Lua Vem da Ásia", Campos de Carvalho

(Campos de Carvalho nasceu no dia 1 de Novembro de 1916. Morreu em 1998.)

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