sexta-feira, 24 de junho de 2016

O meu Europeu é melhor que o teu 8

Generoso, mais rápido do que uma linha recta
A menor distância entre dois pontos é uma recta? Nem sempre. Às vezes a menor distância entre dois pontos pode ser uma curva. Aqui não se trata de ciência, é mero exercício de memória. Por exemplo: lembram-se do Generoso? Claro que não se lembram do Generoso. Mas eu explico: o Generoso era um extremo brasileiro que jogou no SC Braga bem no início da década de setenta do século passado, por alturas da segunda divisão, se não me engano. O Generoso (e decerto um nome assim nunca foi tão bem empregue), o Generoso, dizia eu, era tão rápido, corria tanto, que, quando atacava e levava um adversário à ilharga, despossuído de outros e melhores argumentos técnicos, chutava a bola para a frente, saía do relvado, contornava o defesa pela pista de cinza, e - espantem-se! - ainda chegava lá primeiro.
Para que nos entendamos, o relvado e a pista de cinza eram no Estádio 28 de Maio, em Braga. Sim, antes do 25 de Abril de 1974, o Estádio 1.º de Maio chamava-se Estádio 28 de Maio. O que só demonstra (raciocínio palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário. Mas eu também vi o Generoso executar a sua supersónica façanha no então pelado do meu Fafe, onde o resvés com os pilares de cimento e com os tubos metálicos da vedação conferia um toque extra de emoção e perigo ao espectáculo. O Generoso, sempre na mecha e a passar calafriantes tanjas ao excelentíssimo público e ao desastre, trazia-me à cabeça o encantatório e fanhoso reclame altifalante do poço-da-morte, nos dias dos 16 de Maio e da Senhora de Antime: também ali havia "arrojo, coragem, audácia, cooommm-ple-to desprezo pela vida". E eu sempre achei que o Generoso devia jogar de capacete.


As lágrimas do adepto
O adepto. O adepto anda quatro anos a poupar para acompanhar a selecção no Europeu. Ou então assalta um banco. Acompanhar a seleccção no Europeu implica, às vezes, atravessar meio mundo e morar fora durante um mês - coisa para custar um dinheirão. O pão e água para toda a família justifica-se portanto como regime de emergência, e o assalto a bancos também. É o amor, é o país, é a selecção. Está certo.
Depois a selecção está a jogar miseravelmente e a levar três secos a dois minutos do fim e já com guia de marcha para casa. E o adepto entra numa depressão desgraçada, mãos esgadanhando a cabeça incrédula, lágrimas esborratando as pinturas de guerra, dei cabo da minha vida por esta merda, ai os meus ricos filhinhos, mais me valia morrer, uma tristeza que só vista. Exactamente. A televisão vê a tristeza do adepto - profunda, incrédula, esgadanhada e esborratada - e passa-a no ecrã gigante do estádio. Em câmara lenta e HD. As lágrimas do adepto, momento televisivo de rara beleza. O adepto vê que está a ser visto na televisão, e salta, e ri, e manda beijinhos, e faz caretas, e tira macacos do nariz, e fica tão feliz, tão feliz, tão feliz da vida, que se foda o desespero, que se foda a selecção, que se fodam os filhos, valeu bem a pena a fome que passaram durante quatro anos. Ou o assalto ao banco. Que está certo e também dá na televisão.


De volta ao football
As primeiras cadeiras que apareceram no nosso futebol foram os então chamados lugares cativos. Um luxo para uns poucos, normalmente circunscrito a uma zona reduzida da bancada central e que garantia ao associado aderente o domínio soberano sobre cerca de 40 centímetros de estádio. Aquele espaço era dele, estava numerado e devidamente identificado, era intransmissível e motivo de muita discussão e alguns cachaços por causa das ocupações selvagens.
A cadeira de plástico era paga por cada um por cima da quota normal de sócio de bancada e por isso, por uma questão de poupança, ninguém se atrevia a arrancá-la para a atirar à cabeça do árbitro. Bons tempos!
Mas os portuguesíssimos lugares cativos, assim chamados, acabaram. Agora há o Dragon Seat, o Red Pass e a Gamebox. Quê? Eu repito: o Dragon Seat, o Red Pass e a Gamebox. E isto é o quê? Manobra de marketing? Enfim a modernidade? Não, nada disso! São os nossos três grandes - FC Porto, Benfica e Sporting - a andarem às arrecuas. Até parece que tornámos ao tempo dos backs e do offside...

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