domingo, 24 de janeiro de 2016

A morte chega pela caixa do correio

Um folheto que me foi metido na caixa do correio convida-me a escolher "um Plano Funerário adequado". Adequado a quê e para quem?, se conto estar morto quando for o meu funeral e quero lá saber de mordomias póstumas. Diz que há um "Plano Magno", praticamente como o gelado, um "Plano Essencial", que não faz bem nem mal, e um "Plano Popular", como o partido do Paulo Portas. Em qualquer dos casos, são garantidos "serviço personalizado a partir de 995 euros" e uma vasta "experiência", o que também deixa muito mais descansado o defunto mais exigente.
A caixa do correio mete-me medo. Não tanto pelas contas da luz, da água ou do condomínio (embora, rústico que continuo a ser, pagar condomínio ainda me faça uma certa confusão), mas mais pelos avisos das Finanças e do Tribunal. Ainda por cima é uma galdéria, a minha caixa do correio, escarrapacha-se a todos, até aos da pior espécie: aos que perguntam pelo meu ouro e eu não os conheço de lado nenhum, aos que me pedem o meu voto e não me conhecem de lado nenhum e agora até aos que me querem vender a minha morte como se soubessem alguma coisa da minha vida que eu não sei.
Vamos lá com calma. Eu sei que ninguém fica cá para a semente e que se alguém ficar sou eu (mas não é isto que interessa). Sei que provavelmente já por cá andei mais tempo do que ainda vou andar. Mas, francamente, a vida é tão boa e dá-me tantas consumições que tenho mais que fazer do que pensar na morte, do que organizar a minha morte. Quando eu morrer (se morrer), logo se verá. Eu é que já não. Essa é a herança que deixo de bom grado a quem me sobreviver. Se alguém houver.

Por outro lado: a ofensiva cangalheira aguçou a minha curiosidade. Esse é o truque do marketing, mesmo do marketing de trazer por casa. Porta a porta. Admito que estou a pensar pedir um orçamento para a minha morte. Seduziu-me aquela coisa da "Medalha Impressão Digital", que não sei o que é, mas deve ser muito bom para o morto. E também quero que me expliquem muito bem explicadinho o "Contrato de Funeral em Vida". Isso é legal? Funeral em vida?


(Texto escrito e publicado no dia 7 de Novembro de 2012)

Sem comentários:

Enviar um comentário