domingo, 5 de abril de 2015

O azar da gaivota é não ter nascido lince

                                                                                        Foto Hernâni Von Doellinger

"As câmaras do Porto, Matosinhos e Gaia colocaram em curso medidas para travar a proliferação de gaivotas naquelas cidades, com destaque para a proibição de alimentar as aves, colocação de pinos em edifícios e falcões no rio Douro", conta-me a agência Lusa neste domingo de Páscoa, copiada urbi et orbi pelos jornais de redacções vazias.
Duas das medidas a aplicar pelo Porto - que, entre Gaia e Matosinhos, é sempre o paradigma - são "a georreferenciação de pedidos de intervenção relacionados com gaivotas para estabelecer um plano de controlo do sucesso das medidas preventivas e a realização de acções de sensibilização quando se identificam situações irregulares de alimentação dos animais com entrega de brochuras". Não percebo o que este palavreado quer dizer, mas gosto muito da "georreferenciação", gosto sobretudo de "brochuras" e... cheira-me a Eichmann.
A Protectora terá decerto uma salomónica palavra a dizer sobre o assunto. Talvez: devemos amar e respeitar os animais; se forem muitos (e mesmo animais) é que não. Que se lixem os garranos de Paredes de Coura, salvemos os gatos lambe-cricas e os cães zicos, choremos os simbas. Orwell já tinha avisado: todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros.
Como os meus caros três leitores sabem, eu tenho duas gaivotas. Era uma mas agora são duas, tal qual os amores do Marco Paulo eram dois.
Um destes dias a minha mulher põe-me fora de casa por causa das gaivotas, que me cagam generosamente a varanda e enxovalham a roupa a secar. Porque a verdade é esta: apesar de cagonas, eu quero-as; mas a minha mulher enxota-as. Serão ciúmes? É preciso que se note que as minhas são as duas mais belas gaivotas de Matosinhos - vejam só o retrato lá em cima. Eu, por mim, ficava com elas...
Há muita gente a falar de gaivotas sem perceber do assunto. Eu já aqui revelei o tanto que sei, e (desculpem-me a imodéstia da repetição) então é assim:

Gaivotas é comigo. Tenho até uma que faz questão de me vir cagar à varanda. Estou agora a escrever e estou a ouvi-las, a vê-las à minha frente, do lado de lá da janela. Eu e as gaivotas somos inseparáveis. Cúmplices. Somos um para as outras. Fui o primeiro a alertar para os perigos que corre o extraordinário gaivotal da Riguinha e Carcavelos, orgulho e emblema da Praia de Matosinhos. As gaivotas interessam-me. Cagam-me em cima, é certo, mas muito menos do que o Portas e o Passos Coelho, e eu não os conheço de lado nenhum e não me interessam para nada. Gaivotalmente falando, levo já mais de 25 anos de trabalho no terreno, eu e elas, contra a vontade da minha mulher, por causa da limpeza da varanda. Estou portanto em condições de afirmar, sem temer desmentidos, que sei de gaivotas como se fosse gaivoto. Houvesse um presidente da república das gaivotas e seria eu.
Ora bem. Outro especialista, mas este da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, disse hoje às notícias que as gaivotas andam a mudar-se do mar para a cidade. Pois andam. O caro colega afiança também que o "fenómeno" começou exactamente há dez anos, mas que, atenção, está a aumentar com "o calor elevado que se faz sentir neste momento".
Não sei se o "fenómeno" começou mesmo há dez anos - não os contei, não sei sequer se o "fenómeno" é fenómeno realmente, mas afirmar que a vaga de calor dos últimos dias puxou as gaivotas ainda mais para terra é ciência de atirar à sorte a ver se acerta. E não acertou. Ou então as gaivotas de Matosinhos são umas desalinhadas, só para chatear.
Explico. Hoje há um nevoeirinho manso ali na praia, uma brisazinha de norte passa aqui pela rua como quem não quer a coisa, e elas aí andam, as minhas gaivotas, nos telhados, na varanda, conversadeiras e cagonas, aproveitando a fresca como eu. Mas nos dias de brasa da última semana, não. Pelo contrário. A canícula devolveu-as ao mar e estragou a teoria de sofá do ilustre ecologista. Quem as quisesse ver, era na água, bandos imensos, uns cem metros para dentro da linha de rebentação. Porque não são parvas. É. Já escrevi e repito: as gaivotas têm merda na barriga, não na cabeça.

8 comentários:

  1. Ainda ninguém se lembrou de criar geneticamente gaivotas sem intestinos...? Era uma maravilha! Fica aqui a 'dica'.

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  2. Três leitores? Tantos? Pensei que éramos só dois, eu e o Gaspar. Ou como diria o outro, ambos os dois! Ah, ok, estás a contar contigo. Está bem. São três.
    Grande abraço,
    P.

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  3. E eu também sou leitor assíduo!!
    E a foto está muito boa. Dois belos exemplares de gaivotas-de-patas-amarelas, larus cachinnans. Serão das caxinas? :-)
    Grande abraço
    Nestes

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  4. Que ciumeira fui para aqui arranjar...
    Se Nane, está na hora de começar a atribuir prémios aos leitores!
    Ou então fazemos t-shirts, tipo (gosto da expressão tipo, tão na moda entre os mais novos...) Charlie Hebdo: "Somos todos leitores do Tarrenego!"
    O que me dizem?
    Abrações,
    P.

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