sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Padre António Vieira 2

Pinta-se o Amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade de uso de razão. Usar de razão e amar são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino, que vem a ser? Uma vontade com afectos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém, o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos pintores do Amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isto que vulgarmente se chama amor tem mais partes de ignorância: e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama porque conhece, é amante; quem ama porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem, ignorando, ofendeu, em rigor não é delinquente; quem, ignorando, amou, em rigor não é amante. 

"Sermões", Padre António Vieira 

(António Vieira nasceu no dia 6 de Fevereiro de 1608. Morreu em 1697.)

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