quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Kafka à beira-mar

Entro no metro. Viagem curta, de Matosinhos Sul até à Senhora da Hora, quinze minutos bem medidos, antes de mudar de linha para a minha vida em Vila do Conde. Sento-me num daqueles bancos frente com frente, éramos quatro, dois de cada lado e, se fosse futebol, a bola era redonda. Ninguém conhecia ninguém. Os dois rapazes e a rapariga, os três mais para os trinta do que para os vinte, cabeças para baixo e graves, rapam dos bolsos os respectivos telemóveis como se se conhecessem de outras encarnações e estivessem combinados, e jogam, ela, e mensajam, eles, automaticamente, ignorantes uns dos outros, numa simbiose perfeita. Eu vou à mochila e tiro o livro. "Kafka à Beira-Mar", de Haruki Murakami. Pensei: é o que diz a minha mãe - sempre a destoar, eu.

5 comentários:

  1. Ando de transportes públicos e gosto. Achava que não gostava - assim como quem não gosta de queijo sem nunca ter provado - mas, afinal gosto. E só tenho que gostar. O que eu tenho aprendido nos transportes públicos. É um fartote! De mais substancial aprendi todo um novo conceito de privacidade - ao melhor estilo daquele condutor que, com afinco e donaire, tira umas valentes catotas do nariz só porque sim, porque lhe apetece e pode e, porque para além de tudo se encontra no recato do seu automóvel - os outros 3745 que o rodeiam no pára-arranca do trânsito não passam de um pormenor... em rigor nem estão lá. Gosto, portanto, dos telemóveis, dos ipads, dos portáteis e da música nos transportes públicos. Mas não se pense que sou fácil de contentar. Dos telemóveis, aprecio apenas quando através deles a senhora ou senhor ao lado conta como foi o sexo da última escapadinha - e ninguém está a ouvir! Dos ipads tenho inveja das cócegas que lhes fazem. Portáteis é bom que sejam para se poder ver, e ouvir, um bom naco que porno - caso contrário, não obrigado. Música. Música com aquelas coisinhas que se enfiam nas orelhas e que fazem o som entrar, dessas não gosto. Há uns melhores e que eu até andar de transportes públicos desconhecia. Enfiam-se nas orelhas, tal como os outros até ao hipotálamo, mas, e aí reside toda a diferença, o som... em vez de entrar, sai. Em síntese, gosto de todo um novo conceito de privacidade que até então me era totalmente desconhecido e que, concluo, só a CP, a STCP e a Espírito Santo Transportes me poderia proporcionar. Eu entro e saio deles e, no fundo, não passo de um viçoso gafanhoto.

    jvd

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  2. Destoa e destoa muito bem! Excelente livro de um autor que também destoa! Obrigada pelas partilhas.

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