domingo, 19 de janeiro de 2014

Eugénio de Andrade

Em Lisboa com Cesário Verde

Nesta cidade, onde agora me sinto
mais estrangeiro do que os gatos persas;
nesta Lisboa, onde mansos e lisos
os dias passam a ver as gaivotas,
e a cor dos jacarandás floridos
se mistura à do Tejo, em flor também,
só o Cesário vem ao meu encontro,
me faz companhia, quando de rua
em rua procuro um rumor distante
de passos ou aves, nem eu já sei bem.
Só ele ajusta a luz feliz dos seus
versos aos olhos ardidos que são
os meus agora; só ele traz a sombra
de um verão muito antigo, com corvetas
lentas ainda no rio, e a música,
o sumo do sol a escorrer da boca,
ó minha infância, meu jardim fechado,
ó meu poeta, talvez fosse contigo
que aprendi a pesar sílaba a sílaba
cada palavra, essas que tu levaste
quase sempre, como poucos mais,
à suprema perfeição da língua.

"Poesia e Prosa", Eugénio de Andrade

(José Fontinhas, que usava o pseudónimo literário de Eugénio de Andrade, nasceu no dia 19 de Janeiro de 1923. Morreu em 2005.)

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