domingo, 10 de novembro de 2013

Da defesa mista ao prego em prato


A defesa mista não foi inventada por Luís Freitas Lobo. Mas, na boca de Freitas Lobo, a defesa mista ganha foros de insondável ciência, sublimidade concomitante e apropinquada só ao alcance de dois ou três predestinados: ele. Além disso, a defesa mística explica quase tudo o que acontece, para o bem e para o mal, no último terço do terreno, amém.
Luís Freitas Lobo é um homem culto e sabe muito de futebol, muito mais do que eu - é preciso que se note. Mas fala pelos cotovelos e pelos joelhos, decerto nunca se ouviu. É muita posse de bola, e o parlapiê havia de aparecer também nas estatísticas finais, à beira dos cantos e dos remates à baliza, a ver se ele tomava sentido. O comentador televisivo não deixa espaço ao narrador que eu só quero que me diga os nomes dos números, põe-se à frente do telespectador, acha que fala para cegos doutorados, metaforizando as coisas corriqueiras que, porventura desconhece, nós também estamos a ver e somos simples. Quer-se dizer: o comentador é ruído. Freitas Lobo, que acha que tudo o que diz é absolutamente essencial e extraordinário, está a banalizar o jogo, a desvalorizá-lo, a transformá-lo numa treta. Porque passam-se coisas no campo, coisas, e eu tenho dois olhos e a minha opinião.
Já sei: vão dizer-me que, se não gosto, sempre posso tirar o som. Tirei.

Era uma bola a pinchar e onze contra onze numa luta brava em campo pelado. Naquela altura eu acreditava no futebol. Era o jogo da bola, só isso, mais uma que outra coça aos árbitros. Lembro-me dos jogadores com camisas de botões e das chuteiras remendadas e de travessas. O meu coração era amarelo e preto, todo branco de vez em quando, com o azul e branco ainda guardado para segundas núpcias. Lembro-me dos jogadores que nasciam e morriam no clube onde nasceram. Lembro-me de jogadores que verdadeiramente morreriam em campo pelo seu clube, era só dizerem-lhes que era preciso. Lembro-me de jogadores que corriam como se treinassem todos os dias e só treinavam durante o jogo. Lembro-me de jogadores que fugiam da tropa para jogar e depois iam presos. Lembro-me de jogadores que chegavam da guerra carregados de paludismo e queriam lá saber. Lembro-me de jogadores que choravam nas derrotas e embebedavam-se nas vitórias, porque era assim. Lembro-me e gosto. Sou um bocado velho, o que se há-de fazer?

Os palavrões futebolísticos com nada dentro não nasceram agora, neste tempo insosso cheio de periodizações tácticas, champôs e espaços entre linhas. Há mestres antes do mestre. E nem vou falar dos estimáveis Gabriel Alves e Rui Tovar. Mas do consagrado Alves dos Santos, que nos deu a "pertinácia" e o "arreganho", e viu um golo "exactamente igual ao golo anterior", quando a Eurovisão estreou as repetições (que era só uma, com um inesperado e mal amanhado R no canto superior direito do ecrã da televisão do Peludo) e ele não sabia. Ou do bom do Mário Wilson, então treinador do Boavista, quando perdeu nas Antas e queixou-se dos golos de "bola parada". José Maria Pedroto, então treinador do FC Porto, disse que não podia ser: bola parada não anda, logo não entra, explicou.

Sou, portanto, antigo. Gosto de futebol. Dos noventa e tal minutos que se jogam em campo. Vejo e sei o que vejo, não preciso que ninguém me ensine e dispenso a opinião especialista. Para mim um jogo não dura uma semana. E, sim, gosto de ver futebol na televisão, mas, para ouvir futebol, prefiro a Antena 1. Ou então um prego em prato.

P.S. - A fotografia, retirei-a do livro "Associação Desportiva de Fafe - 50 Anos de História", de Artur Ferreira Coimbra. E melhorei-a. É a nossa equipa da época 1962/1963. Da esquerda para a direita, de pé: Toneca, Germano, Apolinário, Ricoca, Costa, Adelino, Manel Zebras e o massagista João "Americano"; de joelhos: Júlio Alves, Fernando Alves, Berto Dantas, Mário "Machica", Adriano e Avelino Lopes. Estes e outros eram os meus ídolos e mais tarde, quando botei bigode, fizeram-me o imerecido favor de serem também meus amigos. Lembro-me deles todos os dias e esta é uma espécie de homenagem a que tornarei.

5 comentários:

  1. Fica difícil suportar essa MELGA...!!! Não haverá quem corra com essa voz de falsete ?

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  2. É pena que alguns dos que se encontram na fotografia já partiram, jogam agora no campo da saudade, outros infelizmente como é o caso do meu pai que também está na fotografia, no caso o guarda-redes Germano, não dominam as novas TIC (tecnologias de informação e comunicação), e portanto, não terão acesso a este seu “relato” feito em jeito de homenagem.
    Queira saber o amigo Hernâni que o “Gérma” sempre que surge a oportunidade e com aquela nostalgia já obrigatória arranca das suas memórias muitas e interessantes histórias ou “passagens” futebolísticas desse tempo de puro futebol.
    Delicio-me a ouvi-lo, relatos onde de quando em vez lá surge a expressão indispensável - “no meu tempo” - seguida das verdadeiras diferenças: o futebol era para os duros; uma equipa era uma família; não havia spray milagroso; jogávamos com amor à camisola; saíamos do campo todos esmurrados.
    Caro amigo em nome do “Gérma” um muito obrigado pela admiração que demonstra de forma terna e positiva saudade por esses grandes atletas do passado.

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    1. Caro Alberto, muito obrigado pelo seu comentário. Faça-me o favor de entregar ao senhor seu pai o abraço que aqui lhe mando.
      h.

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  3. Mais uma prosa excelente, sem transições, basculações e quejandos.
    Mais uma vez me puseste a dizer, assim de mim para mim, quem me dera escrever assim!
    Grande abraço,
    P.

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