sábado, 10 de novembro de 2012

Portugal quase 2013: de volta à fressura

Há pelo menos uma grande superficie do Porto que está a vender fressura às pessoas como se fosse para dar de comer aos cães. Mas é para a mesa das pessoas. As pessoas andam com fome e pedem a fressura. Nas lojas de congelados, as cabeças de pescada foram cortadas ao meio e as caras de bacalhau saem como pãezinhos quentes. As pessoas, que andam com fome e nunca na vida cozinharam (e não sabem cozinhar), agora olham para umas postas esquisitas, perguntam "que peixe é este?, é bom para quê?", os funcionários dos frigoríficos fazem o papel respectivo, inventam no momento um nome qualquer para o peixe e dizem que "é bom para o forno, para fritar, para a brasa, para estufar, para caldeirada, é bom, muito bom", e o peixe é um merda mas as pessoas querem acreditar que é bom, muito bom, porque é multifunções e muito mais barato do que o peixe a sério e estão com fome. E levam. E são levadas. E está bem: o polvo e as lulas agora são potas. Filhos da puta que nos puseram assim. Nos talhos, o fígado para iscas e os ossos da suã são hits nacionais. Os pescoços de frango também e as asas é um ar que se lhes dá. As pessoas estão sem dinheiro e têm fome. As pessoas não têm emprego e as que têm trabalham para pagar impostos.
A ver se me faço compreender: sempre fui praticante de asas e pescoços de frango, de ossos da suã, de iscas de fígado, de caras de bacalhau e de cabeça de pescada, se for inteira. Fui e sou. Sei dar-lhes o valor e as voltas: cá em casa são petiscos. Ainda não necessidade. À fressura (deixem-se lá de malícias) é que nunca mais tornei.
E em miúdo até era eu quem ia ao Talho, a mando da minha mãe, comprar "um quarto de fresura" para a massa do almoço, "se faz favor". Só havia um talho na vila, e por isso era com maiúscula, e não há uma mãe como a minha. Se acham que é lugar-comum, isto da minha mãe, estão redondamente enganados. Perguntem em Fafe, chama-se Alexandrina e vão ficar admirados. Mas a minha mãe hei-de contá-la como deve ser mais lá para diante.
Já sabem que éramos pobres. Comíamos "fresura" porque era o mais em conta que havia aparentado com carne para comermos à semana. Eu aprendi a gostar e gostava sobretudo do rinca-rinca do cano. Já a parte do bofe fazia-me uma certa impressão e ainda hoje sou contra as chiclas. Ao domingo comíamos bife, é preciso que se note, porque a minha mãe tinha artes de ilusionista, truques de economia. A minha mãe fazia comida muito boa e devia ser ministra das Finanças.

A minha mãe passou por muito e diz que o 25 de Abril foi o melhor que aconteceu em Portugal. Isso e os títulos do FC Porto. A minha mãe não admite marcha-atrás. "Pobreza era no tempo do fascismo", diz a minha mãe, e os títulos do Benfica também eram. Mas, ó mãe, deixe lá o relato só por um bocadinho: estamos de volta à "fresura"?

(Escrevi e publiquei este texto no passado dia 20 de Outubro. Repito-o hoje, para informação da Senhora Dona Maria Isabel Torres Baptista Parreira Jonet.)

1 comentário:

  1. Repetes e fazes bem!
    Também eu repito o que tenho dito montes de vezes. Esta gentalha, cheia de guita, de vez em quando foge-lhe a boca para a fossa. Esta senhora dona isabel choné será por ventura familiar do cardeal cerejeira (que a terra lhe seja leve,que enquanto vivo, não se coibia de dizer que, "pobre para ser humilde tinha de passar fome" será também a versão actualizada das tias do Movimento Nacional Feminino de tão má memória... sim as supico pinto da altura, que mal pus o pé a bordo do Vera Cruz afivelaram o habitual sorriso de circunstancia e me colocaram na mão uma saquinha de pano cru com uma esferográfica, meia dúzia de aerogramas um bloco de papel de carta e um maço de cigarros,sem sequer me perguntar se eu era fã de tabaco, ou então porque, achariam elas, que a carne para canhão deveria chegar a Angola devidamente defumada? Essas mesmas senhoras da alta sociedade, que de vez em quando se deslocavam a Luanda para organizarem bailes nos salões de luxo do Banco de Angola, enquanto os nossos soldados sofriam e morriam nos vários NAMBUANGONGOS da selva angolana. Enfim, os anos passam, mas pocilgas são as mesmas, apenas mudam os porcos.
    Gaspar de Jesus

    ResponderEliminar