domingo, 8 de abril de 2012

Roubaram o sino da igreja

Um dos sinos da antiga igreja paroquial de São Clemente de Silvares desapareceu. À moda da "velha escola", eu gostaria de dizer que se tratou de obra de larápios audaciosos, que, a coberto da noite e por meio de estroncamento, se atiraram ao bronze, à falta de ouro e pratas. Mas não tenho informação para tanto. De acordo com o blogue Falaf - revista cultural de Fafe, onde ontem apanhei a notícia, o sumiço terá acontecido no passado dia 18 de Março, quando o povo desceu à cidade para assistir à recriação da visita do rei D. Carlos, ponto alto das Jornadas Literárias concelhias.
A vida está difícil. Compulsivamente de costas ao alto e cotão nos bolsos, a meliantagem anda a aboletar-se ao que calha e dê algum: carris de comboios, carrinhos de linhas, fios e cabos eléctricos, campainhas de bicicletas e bicicletas ainda que sem campainhas. Um destes dias o País fica completamente às escuras, pára de vez, não há Volta a Portugal, e nós já sabemos porquê. Agora, o sino eu cuido que seja outra história. Para mim, foi um daqueles beatos que gostam de ser mais do que os outros e que faz questão de ter, mais logo, quando sair com a Cruz, um compasso em grande, um compasso maior do que o compasso da concorrência.
Se alguém vir por aí o miúdo da sineta enfiado num sino, a dar ao badalo, é fazer o favor de avisar as autoridades. O sino é de São Clemente e tem o campanário à espera.

Guardo boas recordações de São Clemente de Silvares. No Ademar, tão caro quanto excelente, eu costumava encontrar o Zé Cão, que tinha trabalhado com o meu pai na Fábrica do Ferro e era o homem mais alto do mundo. Pelo menos era o homem mais alto de Fafe e arredores. O Zé Cão, sentado, os joelhos batiam-lhe nos queixos. Era altíssimo, vagaroso, comovido, desengonçado, bom, decilitrado, pobre, criança em corpo descomunal, com uns sapatões de palhaço e umas mãozonas sempre agarradas à caneca de verde tinto, que mingava até parecer uma xícara. Era um Homem.
O Valença, uma das glórias do futebol local, gostava de se meter com o Zé Cão. Na verdade, o Valença gostava de se meter com toda a gente, mas o que aqui interessa é o Zé Cão. E o Valença "obrigava-o" a contar vezes sem conta as vindas ao Porto, ao Royal e ao Derby, para despejar as bolsas, e daquela ocasião em que ele teve que se haver com um "boxevista", um "boxevista" a sério - a piada era mesmo o Zé Cão dizer "boxevista" -, na parte de cima da Ponte de Luís I, exactamente por causa do putedo. E o Zé Cão ganhou. O Zé Cão fazia os gestos como foi, a mando do Valença, disparava ganchos e uppercuts, era um campeão sem sair do seu canto, a lutar por merecer mais um quartilho.
O Zé Cão de São Clemente, o nosso gigante. Penso agora que não é nada Zé Cão: passa a ser Zecão, de Zeca grande, tão grande como o seu imenso coração.

4 comentários:

  1. Andaste uma vida inteira a chamar cão ao homem... :-)
    Vá lá que ainda foste a tempo de veres a luz... :-)

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    1. Outra sugestão: Zé Cagrande. Não?
      M.A.

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  2. Muito obrigado pelas visitas e pelos comentários.

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  3. Já agora, caro M.A., se calhar não te lembras mas acho que chegaste a ir ao Ademar. Provavelmente até conheceste o Zecão.

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