quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Galiza de ida e volta

Foto ORLANDO VON DOELLINGER

Fui despedir-me da Galiza. Não sei quando lá torno, não sei se lá tornarei. Não há dinheiro, não há vícios, e a Galiza era um dos meus mais queridos vícios. Estou, na verdade, a pôr em ordem a minha ausência de futuro. Ando a despedir-me de todos os meus sítios. Comecei por cortar no supérfluo, nos prazeres da vida, mas dei comigo já a roer as unhas ao essencial, a questionar a própria subsistência. O mais certo é nunca mais pôr os pés fora de casa, para poupar as solas dos sapatos. Resta-me a varanda e a vista para o mar, se me puser de lado, e a companhia da gaivota cagona. O CRF vai ser substituído por água da torneira com duas gotas de tintura de iodo, em balão previamente aquecido ao sol, e o cachimbo passará ser a fumado com barbas de milho.
Almoço, às terças, quintas, sábados e domingos; jantar, às segundas, quartas e sextas. Entre mim e a minha mulher, quem almoçar não janta no dia seguinte e quem jantar não almoça no dia seguinte. Ementa única para almoço e jantar: meia malga de caldo de couves sem azeite e um papo-seco seco. Quem comer o caldo de couves sem azeite deixa o papo-seco seco para o outro, que fica automaticamente sem direito a caldo. Parece complicado, mas não é. É tudo uma questão de confiança, como explicou o primeiro-ministro na sua mensagem de Natal. Creio que a coisa vai funcionar, assim nos deixem morrer em paz.
Portanto fui despedir-me da minha Galiza. E sabem que mais? Paguei portagens. Paga-se portagens nas auto-estradas da Galiza e os portugueses também. Sempre pagaram. Não há excepções nem ofertas. Mas os meus irmãos galegos são uns pândegos e resolveram embirrar com as nossas ex-SCUT que nos entram a nós, portugueses, pelos bolsos dentro depois de nos terem sido prometidas e entregues como "sem custo para os utilizadores".
Primeiro foi Xóan Vasquez Mao, secretário-geral do Eixo Atlântico, a desafiar todos os espanhóis a passarem pelas nossas ex-SCUT sem pagarem portagens e sem medo de multas, dando a entender que tinha garantida a cumplicidade do Governo português. Agora são vários hotéis de Vigo a oferecerem aos clientes portugueses o valor das portagens na A28 nos programas especiais de passagem de ano para contrariar a quebra de negócio já sentida no Natal. E sugerem à hotelaria do Norte de Portugal que faça o mesmo com os seus clientes galegos.
Vamos lá ver em que param as modas. Já que ninguém nos dá nada do lado de cá, até pode ser que, por tabela, ainda acabemos por ganhar alguma coisa com os do lado de lá.

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