sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Bifanamente falando

Vamos lá corrigir dois gravíssimos equívocos a propósito da passagem por Lisboa do viajante e ex-chef Anthony Bourdain. Primeiro: apresentaram o americano como "estrela da cozinha" e ele não é nada disso. É uma estrela de televisão e, eventualmente, da edição livreira. Estrela da cozinha sou eu. Segundo: a eterna problemática da bifana. Então o homem esteve há coisa de dez anos no Porto e vai agora comer bifanas à capital? Só pode estar mal informado.
É mesmo verdade. Muito antes desta tão badalada visita a Lisboa, Bourdain já tinha vindo ao Porto e aos Açores. E é claro que tinha que começar pelo Porto. Creio que foi no ano de 2001, era ele ainda um grande maluco de argola na orelha e keffiyeh à volta do pescoço. Desse tempo só sobrou o grande maluco. Que comeu castanhas assadas em Santa Catarina, foi ao Majestic, passeou pela Ribeira e pelo Mercado do Bolhão, visitou a Mercearia do Bolhão e almoçou no Rogério do Redondo: sardinha pequena frita, cabeça de pescada cozida com todos e as sacramentais tripas à moda do Porto.
Depois levaram-no ao Aleixo. Provou a salada de polvo e os bolinhos de bacalhau com feijão-fradinho, para ganhar embalo até aos filetes de polvo com arroz do mesmo que dão fama e proveito à casa. O excelente programa televisivo de Anthony Bourdain chamava-se então A Cook's Tour e ainda procurava naquela altura a fórmula de sucesso que veio a afinar um pouco mais tarde, provavelmente já em No Reservations. Receita simples: uma mistura bem temperada de viagem e gastronomia, um estilo de apresentação irreverente e politicamente incorrecto que cativa e, por estranho que pareça, ensina.
Na sua estada pelo Norte, Bourdain deu também um salto aos vales do Douro e do Tâmega, comeu bacalhau com natas, lombo de porco e cabrito assado em forno de lenha. Teve ainda o privilégio e o incómodo de assistir a uma matança de porco e às litúrgicas operações de desmancho e salga, acabando o dia a jogar à bola com a bexiga do bicho, como mandava a tradição.
E depois foi-se embora. Atenção: foi-se embora sem antes ir à Conga comer uma bifana. Mas comeu bifanas agora em Lisboa. Isto cabe na cabeça de alguém? As bifanas da capital sempre me mereceram as maiores reservas e, francamente, a equipa do No Reservations deveria estar na posse desta importante informação.
Bourdain disse que gostou muito das nossas "sanduíches gordurosas de porco", com carne "imunda e cortada em fatias finas". É uma definição elegante e que se aceita. Mas havia de ter provado as do Porto!  E não me venham dizer que as bifanas são iguais em todo o lado. Porque não são. E não me venham dizer que é só temperar com vinho branco e mais não sei quê (o resto fica cá comigo). Porque não é. É com o vinho (e com o resto), mas também com cerveja, ou para onde é que vocês cuidam que vão as sobras dos barris e a espuma que esborda dos finos (ou imperiais) mal tirados? Vai tudo lá para dentro, para o caldeirão da molhanga, e aqui é que bate o ponto. Aqui é que a porca torce o rabo. É que as bifanas do Porto chafurdam em Super Bock. E isso faz toda a diferença.

(Mais em Anthony Bourdain deixou-me ficar mal.)

7 comentários:

  1. Abriste-me o apetite! Como não há bifana, vai mesmo o lanchinho que trouxe de casa. Mas a bifana ia bem, com um fininho ou dois a acompanhar. Mesmo que sejam 11h19, ia bem. Ai se não ia!
    Abraço,
    P.

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  2. No âmbito do comité de sábios de que faço parte, fui lá (à Conga 2, que andam melhores!) na passada quarta-feira realizar a prova de Dezembro. E não há comparação possível. Eu nunca comi bifanas de Lisboa - tarrenego! -, mas não há comparação possível!
    Grande abraço.

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  3. Nao te esqueças das fabulosas bifanas do Preto do Bom Sucesso. Nao há igual e sábado sim sábado nao, la vou eu buscar 3 ou 4 bifanas para almoçar com a super bock a fazer companhia. Quando tiveres oportunidade de fazeres as tuas eu aceito o convite e levo-te as tuas famosas " primas " para acompanhar.
    Abraço
    Miguel

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  4. Obrigado, Miguel, pela visita e pelo comentário. Bom apetite!

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  5. As bifanas são diferentes nos vários sítios do país e não consigo dizer que as bifanas do Porto são melhores ou piores que as outras. Adoro comer e por isso vão as bifanas do Porto, as de Lisboa, as de Vendas Novas...é as que aparecerem e as francesinhas também são como as botas da tropa, também marcham, lol

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    1. Obrigado, caro Scorpion, pela visita e pelo comentário. E bom apetite!

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