sexta-feira, 17 de junho de 2011

Quando os Tonys eram de Matos

Os lisboetas vão regressar amanhã às suas raízes mais profundas. Às berças. Aos campos do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alentejo ou dos Algarves de onde partiram há duas ou três gerações, de cajado ao ombro e saca com a merenda. Quer-se dizer: embora o ignorem, os lisboetas são tão parolos como os outros parolos todos. Lisboa já não diferencia. Faz cada vez mais parte do resto que é paisagem neste país que não existe.
Vai ser servido aos lisboetas, amanhã, um megapiquenique a que o analfabetismo chama "Mega Pic Nic". Um arraial dos antigos que promete recriar, em plena Avenida da Liberdade, o "espírito do campo", o "ambiente de uma grande quinta", com o objectivo - acrescentam os organizadores - de "chamar a atenção dos portugueses para a importância do apoio à produção nacional".
Os lisboetas, que são parolos mas não se lembram, vão poder (re)aprender, por exemplo, que o leite não nasce em pacotes, que as galinhas estão vivas antes de estarem mortas (a senhora dona Lili Caneças poderá explicar o fenómeno), que os ovos só podem ser produzidos com aquele feitio ou que o bife não é um animal, pelo menos um animal completo.
O anúncio televisivo do evento promete tudo isto e muito mais. Garante uma espécie de circo rural onde não vão faltar as vacas e os cavalos, os patos e os gansos, as ovelhas e os porcos, os frangos do Roberto e até

macacos de imitação. Exactamente. Está o trânsito todo escangalhado no Porto e em Matosinhos, este fim-de-semana, por causa das corridas de carrinhos do menino Rui Rio, e logo Lisboa resolve também semear o caos no seu centro mais central. (A parolice é mesmo assim, contagia, multiplica-se. Lisboa sofre de um acelerado processo de parolização.)

Nada, no entanto, que desmobilize os lisboetas, tenho a certeza. Lá estarão amanhã, milhares e milhares deles, entusiasmados até mais não com a novidade, fresquinha e ao vivo, das cores, dos sabores e dos aromas do campo. Mas sobretudo o que eles vão é ao cheiro do concerto do Tony Carreira. À borla. Tony Carreira apresentado aos lisboetas como "o melhor da música portuguesa"...
Ora bem. Honra lhe seja, Tony Carreira é um profissionalão, provavelmente o melhor do seu ofício, mas não é "o melhor da música portuguesa". Entendamo-nos: por mais multidões que congregue, por mais corações que despedace, Tony Carreira é apenas um cantor romântico com imeeeeeenso sucesso. Mas a música portuguesa é... outra coisa.
Apesar de tudo, que diferente era Lisboa no tempo em que os Tonys eram de Matos...

2 comentários:

  1. Caro Neques
    Só por acaso não sou estrangeiro. Aquela de colocar uma letra a mais no nome foi burrice portuga mesmo e só não estarei amanhã em Lisboa juntamente com outros quadrúpedes porque não fui convidado para o «Pic Nic» organizado pelo menino Azevêdo. Acho muito bem que a Saloiada de Lisboa vá ver o pouco que ainda resta do que um tal menino de Boliqueime destruiu. Por certo que irão tomar conhecimento de que para se obter o leitinho é preciso espremer uma, ou as quatro tetinhas da vaca, que os frangos afinal têm penas e não se colhem das árvores... etc.
    Lembro-me a propósito de uma jovem na altura e recém licenciada em Jornalismo, estar espantada a olhar para um suíno... quando indaguei o motivo de tal surpresa respondeu-me com o ar mais candido deste mundo: -eu nunca tinha visto um porco...!
    Lembro-me de outra "insigne jornalista" que num almocinho em serviço e perante a expectativa de comer-mos chanfana de borrego olhou-me meio espantada e perguntou: -borrego é burro?.
    Por fim quero fazer-lhe uma perguntinha, desculpando-me desde já pela "ingenuidade"; o tal menino Rui, sim, aquele que gasta o que tem e não tem nos ditos carrinhos às voltas na cidade, será o mesmo que, quando tomou posse como autarca retirou o subsíduo de trabalho nocturno aos trabalhadores encarregados da recolha do lixo...???
    Parabéns pelo brilhante texto.
    Desculpe se me alonguei.
    Gaspar de Jesus

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  2. Caro Gaspar de Jesus,
    Agora sim, depois desta sua segunda visita, que agradeço penhoradamente, já somos praticamente amigos. Permita, então, que lhe fale com toda a franqueza e lhe diga que, sem ofensa, não acredito que, ao contrário do que V. Ex.ª sugere, haja por aí jornalistas ignorantes. As duas profissionais a que o caro amigo alude sofreriam apenas daquilo a que os especialistas chamam de disfunção animal, uma maleita muito dos nossos dias, para a qual ainda não foi descoberta cura.
    Quanto ao dos carrinhos, acertou V. Ex.ª em cheio. É o tal!
    Apareça quando quiser. Esta casa é sua.
    Sempre a considerá-lo,
    Neques

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